Controlando o poder de matar - Núcleo de Estudos da Violência
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⇒ Promotor: Dirá que ele se sentiu mal e precisou se ausentar. Vamos e venhamos... É<br />
o primeiro Júri do moço. Não convém prejudicá-lo!<br />
Um conjunto <strong>de</strong> regras implícitas e explícitas do Júri foi testado nessa sessão,<br />
como a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> narrar, com segurança, no tempo e no espaço, especialmente<br />
<strong>de</strong>stinados para isso, duas versões: uma que inocente ou redima o réu do ato criminoso<br />
e outra que o con<strong>de</strong>ne. A fraca atuação do <strong>de</strong>fensor mostrou que o <strong>de</strong>scumprimento<br />
<strong>de</strong>ssa regra inviabiliza o jogo, logo a narração segura <strong>de</strong> versões contraditórias é um<br />
aspecto fun<strong>da</strong>mental do jogo.<br />
É opinião corrente entre “mestres” do Júri, bem como uma <strong>da</strong>s lições que eles<br />
mais enfatizam junto aos novatos, que nesse jogo imaginativo e persuasivo <strong>de</strong><br />
construção <strong>de</strong> narrativas, quem não jogar bem é um per<strong>de</strong>dor, e aquilo que per<strong>de</strong>rá<br />
será, na<strong>da</strong> menos, que sua própria honra: “Não é possível errar, (...). O advogado põe em<br />
jogo todo o seu cabe<strong>da</strong>l <strong>de</strong> conhecimentos, todo o seu fervor profissional, a sincera<br />
compenetração <strong>de</strong> seu convencimento pessoal, seu talento e sua glória.” (Silva, 1991: 17).<br />
No caso em questão, o réu era ex-amásio <strong>da</strong> vítima, mãe <strong>de</strong> quatro filhos, e ela<br />
foi espanca<strong>da</strong>, até morrer, na frente <strong>de</strong> seu barraco — a favela, por sinal, <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong><br />
existir entre a <strong>da</strong>ta do crime e a do Júri. Enquanto o promotor foi incisivo e apresentou,<br />
com clareza, provas contra o réu, as quais <strong>de</strong>clarou “indiscutíveis”, pedindo aos jurados<br />
que o con<strong>de</strong>nassem por homicídio duplamente qualificado (motivo torpe e por ter o réu<br />
infringido à vítima “sofrimento cruel e <strong>de</strong>snecessário”), o <strong>de</strong>fensor balbuciou, com frases<br />
redun<strong>da</strong>ntes, que fora o réu perseguido pela vítima e por isso revidou seus golpes <strong>de</strong><br />
faca.<br />
⇒ Promotor (apartando o <strong>de</strong>fensor): Mas a vítima, mulher franzina, foi encontra<strong>da</strong><br />
vestindo apenas uma camiseta regata, senhores jurados!<br />
⇒ Defensor (<strong>de</strong>sconcertado): É, <strong>de</strong> fato, mas...<br />
⇒ Promotor (com a foto do cadáver <strong>da</strong> vítima na mão, aproximando-se <strong>de</strong> uma jura<strong>da</strong><br />
— a única mulher do Conselho): Hoje, Dia Internacional <strong>da</strong> Mulher, olhem para este<br />
cadáver e me digam: essa mulher <strong>po<strong>de</strong>r</strong>ia representar uma ameaça a este homem?<br />
Mesmo que empunhasse uma faca? Bastaria um soco para <strong>de</strong>sarmá-la! Mas ela foi<br />
espanca<strong>da</strong> por ele até morrer!<br />
Aquela fala do réu, após o término <strong>da</strong> sustentação oral <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>fensor — “Já<br />
acabô, é? Fui con<strong>de</strong>nado?” —, aparentemente reveladora <strong>de</strong> profun<strong>da</strong> incompreensão do<br />
que se passava, <strong>de</strong>monstrou, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, estar ele percebendo muito bem a grave<br />
situação em que seu <strong>de</strong>fensor “<strong>de</strong>smancha-prazeres” o colocara, pois, <strong>de</strong> fato, a sessão<br />
estava acaba<strong>da</strong> e, se aquela <strong>de</strong>fesa valesse, ele seria con<strong>de</strong>nado. O <strong>de</strong>fensor, por sua<br />
vez, apesar <strong>da</strong> frustração que causou a todos, foi protegido pelos “jogadores mais<br />
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