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Controlando o poder de matar - Núcleo de Estudos da Violência

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ombros, ar cansado e olhar triste. Durante seu interrogatório em plenário, relatou que,<br />

<strong>de</strong>pois que foi expulso <strong>da</strong> PM, tornou-se balconista <strong>de</strong> pa<strong>da</strong>ria, motorista <strong>de</strong> táxi e,<br />

finalmente, caminhoneiro <strong>de</strong> uma empresa. Contou ter uma companheira, há 25 anos e<br />

seis filhos. Todos esses <strong>de</strong>talhes, provavelmente, entraram no jogo e tornaram-no<br />

absorvente, até o final, apesar do aparentemente cabal acordo feito nos bastidores.<br />

Acordos, portanto, fazem-se presentes em muitos jogos e não necessariamente<br />

facilitam seu <strong>de</strong>senvolvimento e/ou abreviam seu término. Conforme vimos,<br />

especialmente em jogos <strong>de</strong> persuasão, não basta dois persuasores que, à princípio,<br />

<strong>de</strong>veriam estar em oposição, entrarem em acordo para que a persuasão comum se<br />

efetive. É preciso que ca<strong>da</strong> um persua<strong>da</strong> bem, o que implica interagirem com os alvos<br />

<strong>da</strong> persuasão — jurados, no caso do Júri. Essa interação, nenhum acordo prévio<br />

garante, pois ela se faz “em cena” e está à mercê <strong>de</strong> múltiplos fatores a serem bem<br />

articulados 23 .<br />

• Cria or<strong>de</strong>m e é or<strong>de</strong>m<br />

Desdobrando um pouco mais as características já aponta<strong>da</strong>s, po<strong>de</strong>mos afirmar<br />

que os julgamentos judiciais, em geral, e os processados pelo Júri, em particular,<br />

introduzem na confusão <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e na imperfeição do mundo uma perfeição temporária e<br />

limita<strong>da</strong>.<br />

Nos autos processuais e no transcorrer <strong>da</strong>s audiências e sessões plenárias, a<br />

confusão dos acontecimentos — as famílias não nucleares e não monogâmicas, os<br />

trabalhos informais, a vi<strong>da</strong> em favelas, a circulação <strong>de</strong> carros roubados e <strong>de</strong> armas <strong>de</strong><br />

fogo, o analfabetismo, as gírias, as drogas, os bares e <strong>da</strong>nceterias <strong>de</strong> bairros pobres —<br />

não só é capta<strong>da</strong> a partir <strong>de</strong> diversos olhares e apresenta<strong>da</strong> em diferentes versões,<br />

como, temporária e limita<strong>da</strong>mente, é organiza<strong>da</strong>, recorta<strong>da</strong> e recorta<strong>da</strong> numa<br />

elaboração tensa, regra<strong>da</strong> e linear, com base na qual <strong>de</strong>senvolvem-se argumentos e<br />

provas — <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa e <strong>de</strong> acusação —, os quais culminam numa sentença, também<br />

aparentemente perfeita, acaba<strong>da</strong> e coerente 24 .<br />

Conforme já apontou Castoriadis (1990: 125), as instituições sociais exercem<br />

uma tríplice função: estruturam as representações do mundo; <strong>de</strong>signam as finali<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

23<br />

- A questão <strong>da</strong> importância do que se estabelece “em cena” é um dos principais pontos<br />

<strong>de</strong>senvolvidos no Capítulo 4.<br />

24<br />

- Nos próximos capítulos, será retomado o tema <strong>da</strong> percepção linear do tempo pelo Judiciário<br />

e a questão <strong>de</strong>, nos processos e procedimentos judiciais, os fatos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> serem organizados e<br />

interpretados cronologicamente, a partir <strong>de</strong> nexos causais.<br />

35

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