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Controlando o poder de matar - Núcleo de Estudos da Violência

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dos jurados e, ao final, esses revelam, através <strong>de</strong> seus votos aos quesitos, quantas<br />

“varas” ficaram “bem espeta<strong>da</strong>s”. Assim, chega-se á sentença e é indicado o vencedor.<br />

O <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ganhar, típico <strong>de</strong> qualquer jogo, portanto, está muito presente no<br />

Direito e inserido numa dinâmica em que, mais do que pólos <strong>de</strong>finidos e fixos, há atores<br />

relacionando-se <strong>de</strong> modo complexo, em função <strong>de</strong> um processo que, ao mesmo tempo,<br />

eles próprios constróem, mas ao qual também submetem-se.<br />

Na comparação ampla que Huizinga faz entre o que chama <strong>de</strong> “nosso<br />

pensamento” e <strong>de</strong> “pensamento primitivo”, ou na comparação, mais específica, entre um<br />

processo judicial mo<strong>de</strong>rno e julgamentos realizados por “socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s primitivas”,<br />

reconhece a existência <strong>de</strong> três formas lúdicas comuns: o jogo <strong>de</strong> azar, a competição e a<br />

batalha verbal. Mas ao <strong>de</strong>senvolver essa comparação, ele afirma que socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s,<br />

culturas ou espíritos “primitivos” experimentam, mais do que “nós”, o problema concreto<br />

<strong>de</strong> ganhar ou per<strong>de</strong>r, sem que predominem abstrações como a disputa entre bem e mal.<br />

As “culturas primitivas” fundiriam, num só complexo pensamento, as idéias <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão<br />

por oráculos, por juízo divino, por sorte, por sortilégio e por sentença judicial, <strong>de</strong> tal<br />

modo que, em tais culturas, ganhar levaria à posse <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong> e do direito e não o<br />

contrário, ou seja, não são a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> e o direito que levam a ganhar (Huizinga, 1980:<br />

93).<br />

“Só numa fase mais avança<strong>da</strong> <strong>da</strong> experiência religiosa, a fórmula será a seguinte: a<br />

competição (ou ordálio) é uma revelação <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong> justiça porque há uma divin<strong>da</strong><strong>de</strong> que<br />

dirige a que<strong>da</strong> dos <strong>da</strong>dos ou o resultado <strong>da</strong> batalha. (. ..) A luta pela vitória é sagra<strong>da</strong> em si<br />

mesma, mas, uma vez anima<strong>da</strong> por concepções níti<strong>da</strong>s acerca do bem e do mal, a luta passa a<br />

pertencer à esfera do direito; (...). To<strong>da</strong>via, o fenômeno fun<strong>da</strong>mental em todos estes casos é o<br />

jogo” (op. cit: 94).<br />

Se consi<strong>de</strong>rarmos que o livro em questão foi publicado em 1938, tornam-se mais<br />

compreensíveis as constantes oposições entre “pensamento primitivo” e o “nosso<br />

pensamento”, as quais Huizinga elabora sem praticamente relativizar os dois “tipos”. Tal<br />

relativização, especialmente para se pensar o Brasil atual, é <strong>de</strong> fun<strong>da</strong>mental<br />

importância, conforme já apontaram antropólogos como Roberto Da Matta e Roberto<br />

Kant <strong>de</strong> Lima, segundo os quais, ambigüi<strong>da</strong><strong>de</strong> e sincretismo são claramente<br />

perceptíveis nas relações entre as chama<strong>da</strong>s “or<strong>de</strong>m pública” e “tradição jurídica”<br />

brasileiras, uma vez que elas tanto são mo<strong>de</strong>rnas — basea<strong>da</strong>s na igual<strong>da</strong><strong>de</strong> e no<br />

individualismo — quanto tradicionais — basea<strong>da</strong>s em privilégios e “jeitinhos” (DaMatta,<br />

1983, Kant <strong>de</strong> Lima, 1991 e 1993).<br />

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