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Controlando o poder de matar - Núcleo de Estudos da Violência

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aplicar à maioria dos réus e <strong>de</strong> seus parentes. Suas participações ten<strong>de</strong>m a ser mais a<br />

<strong>de</strong> objetos que estão em jogo do que a <strong>de</strong> jogadores. Eles sentem e expressam isso,<br />

conforme po<strong>de</strong>mos perceber na entrevista a seguir.<br />

⇒ Eu 29 : Quando foi julgado, o que o Sr sentiu ao entrar na sala e ficar sentado ali?<br />

⇒ Réu: Vergonha. Pisar aqui é vergonhoso, sabe. É baixo. É ruim pisar aqui.<br />

⇒ Eu: Por que é vergonhoso?<br />

⇒ Réu: Porque a gente se sente um na<strong>da</strong>, enten<strong>de</strong>? Um na<strong>da</strong>. A gente fica ali, prá ser<br />

mostrado.<br />

⇒ (...)<br />

⇒ Eu Quando o Sr. estava ali, o Sr. conseguiu acompanhar o que eles falavam?<br />

⇒ Sr. S: Mais ou menos. O que eu sabia é que era a lei e que era certo o que estava<br />

acontecendo.<br />

⇒ Eu: E o que o Sr. achou <strong>de</strong> 7 pessoas serem chama<strong>da</strong>s para ouvir o que eles<br />

falavam e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>cidirem sobre sua vi<strong>da</strong>?<br />

⇒ Sr. S: Eu não achei na<strong>da</strong>. A lei man<strong>da</strong> assim, então é assim.<br />

⇒ Eu: O Sr. acha que a lei mostra quem está sendo julgado <strong>de</strong> uma forma vergonhosa?<br />

⇒ Sr. S: Eu não acho na<strong>da</strong>. [pausa longa, mãos entrelaça<strong>da</strong>s sobre as pernas e cabeça<br />

baixa]. Mas o que a gente sabe ninguém aqui sabe.<br />

Por fim, os jurados são chamados a jogar segundo um duplo registro: o <strong>da</strong><br />

sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> e o <strong>da</strong> razão — “Os senhores são, neste momento, sete juízes e saibam que o<br />

juiz <strong>de</strong> direito também julga <strong>de</strong> acordo com i<strong>de</strong>ologias. Ele primeiro lugar julga e <strong>de</strong>pois, se<br />

necessário, busca razões para se justificar. Os jurados trazem para a Justiça a sua experiência e<br />

sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong>.” 30 . Essa complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> fatores e <strong>de</strong> possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> participação e<br />

interações confere ao Júri, enquanto jogo, características que, muitas vezes, atribuem-<br />

se ao que é belo: “(...) tensão, equilíbrio, compensação, contraste, variação, solução, união e<br />

<strong>de</strong>sunião. O jogo lança em nós um feitiço: é fascinante, cativante. Está cheio (...) <strong>de</strong> (...) ritmo e<br />

(...) harmonia.” (Huizinga, 1980: 13).<br />

• Comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> jogadores X “outros”<br />

Outra característica comum a alguns tipos <strong>de</strong> jogos é o fato <strong>de</strong> eles propiciarem<br />

à comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> jogadores tornar-se permanente, mesmo terminado o jogo: “(...) a<br />

sensação <strong>de</strong> (...) partilhar algo importante, afastando-se do resto do mundo e recusando as<br />

normas habituais, conserva sua magia para além <strong>da</strong> duração <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> jogo. O clube pertence ao<br />

jogo tal como o chapéu pertence à cabeça” (op. cit: 15).<br />

29 - 19/07/2001, 16h15’, Plenário 8 do 1 o Tribunal do Júri (Barra Fun<strong>da</strong>). Entrevista concedi<strong>da</strong><br />

pelo marido <strong>da</strong> ré, o qual havia sido julgado e absolvido, no mesmo plenário, um ano antes,<br />

como co-autor do mesmo crime pelo qual ela era julga<strong>da</strong>: homem negro, <strong>de</strong> 46 anos, embora<br />

aparentasse 60. Parecia um “caboclo velho”. Permanecemos sentados, num canto <strong>da</strong><br />

assistência, durante um intervalo <strong>de</strong> mais ou menos 10 minutos. A ré foi con<strong>de</strong>na<strong>da</strong> a 12 anos<br />

<strong>de</strong> reclusão, do qual foram abatidos 2/3, resultando 4 anos, dos quais diminuiu-se mais 1/3,<br />

restando 2 anos e 8 meses em regime aberto.<br />

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