Controlando o poder de matar - Núcleo de Estudos da Violência
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Coinci<strong>de</strong>ntemente, nos dois casos, os réus estavam envolvidos com segurança.<br />
Num processo, o réu, à época do crime, fazia segurança priva<strong>da</strong> numa pa<strong>da</strong>ria e, em<br />
outro, o réu era Policial Militar. No primeiro, não presenciei o acordo, pois, como<br />
<strong>de</strong>sconhecia o juiz, o promotor e o advogado, não tive acesso aos “bastidores”. No<br />
segundo, presenciei-o. Em ambos, as sustentações orais do promotor e <strong>da</strong> <strong>de</strong>fesa<br />
mantiveram uma certa tensão, embora convergissem para uma tese comum.<br />
No “caso Segurança” 21 , o promotor, durante uma sustentação relativamente<br />
longa (<strong>da</strong>s 13h55’ às 15h), bem articula<strong>da</strong>, basea<strong>da</strong> em argumentos claros e<br />
acompanhados <strong>de</strong> uma gestuali<strong>da</strong><strong>de</strong> congruente com seu discurso, enfatizou que a<br />
vítima, segundo a perícia, estava embriaga<strong>da</strong>, mas que nenhuma testemunha<br />
confirmara ter sido o réu agredido por ela. Elevando seu tom <strong>de</strong> voz, gesticulando<br />
bastante e aproximando-se ao máximo dos jurados, assim concluiu sua argumentação:<br />
“O réu tinha outras alternativas . O que não tinha era preparo para usar uma arma <strong>de</strong> fogo e ser<br />
segurança. Aliás, nunca fez um curso, um treinamento. Todos os dias, nesta ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, sabemos <strong>de</strong><br />
pessoas que, usando in<strong>de</strong>vi<strong>da</strong>mente uma arma, saem por aí, matando (...). A vítima também<br />
contribuiu para o que aconteceu, pois estava embriaga<strong>da</strong>, xingou. Mas pagou com a própria<br />
vi<strong>da</strong>! E o réu, que não sofreu sequer um arranhão? Como pagou por ter tirado a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> vítima?<br />
(...). Enfim, o réu não merece ser absolvido. Deve ser con<strong>de</strong>nado por homicídio privilegiado e<br />
cumprir uma pena <strong>de</strong> 4 anos. Esse valor <strong>de</strong> pena, conforme prevê a lei, dá ao réu o benefício do<br />
sursis, ou seja, <strong>de</strong> cumpri-la em liber<strong>da</strong><strong>de</strong>, não po<strong>de</strong>ndo portar armas. Mas <strong>po<strong>de</strong>r</strong>á ter uma vi<strong>da</strong><br />
normal e é justo que a tenha, pois é primário e possui família. (...). Peço, portanto, que os<br />
senhores con<strong>de</strong>nem esse homem por homicídio privilegiado, pois, se assim <strong>de</strong>cidirem, estarão<br />
impedindo que o réu torne a <strong>matar</strong>.” (enquanto pronunciava essas palavras finais, punha e<br />
tirava a arma <strong>de</strong> cima <strong>da</strong> mesinha, em frente aos jurados, fazendo barulho). “Peço a<br />
Deus que ilumine a mente <strong>de</strong> todos vocês para que saiamos <strong>da</strong>qui, nesta tar<strong>de</strong>, fazendo justiça!”<br />
O <strong>de</strong>fensor, inicialmente, inseguro — sem olhar para os jurados e mais fazendo<br />
um relato <strong>de</strong> sua carreira no Júri do que entrando no mérito <strong>da</strong> <strong>de</strong>fesa —, impôs-se, aos<br />
poucos, e também <strong>de</strong>senvolveu uma sustentação oral articula<strong>da</strong> e relativamente longa<br />
(<strong>da</strong>s 15h10’ às 16h05’). Visivelmente, “ganhou” a atenção dos jurados quando, na<br />
meta<strong>de</strong> final <strong>de</strong> seu discurso, disse: “Triste é o país que propicia a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> se ter<br />
21 - 18/03/1999, <strong>da</strong>s 13h40’ às 16h30’, Plenário II do 3 o Tribunal do Júri (Santo Amaro): o réu —<br />
negro <strong>de</strong> 25 anos, gran<strong>de</strong> e forte — foi preso em flagrante, portanto um arma <strong>de</strong> fogo, e<br />
confessou ter matado a vítima — <strong>de</strong> compleição física semelhante à sua. O réu “fazia<br />
segurança” na pa<strong>da</strong>ria em que a vítima apareceu para beber. Um amigo do réu também estava<br />
presente e, dias antes, recebera um carro como pagamento <strong>de</strong> uma dívi<strong>da</strong>. A vítima conhecia o<br />
<strong>de</strong>vedor e, ao sair embriaga<strong>da</strong> <strong>da</strong> pa<strong>da</strong>ria, socou o tal carro, momento em que foi intercepta<strong>da</strong><br />
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