Contadores de Histórias - Histórias Interativas
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<strong>Contadores</strong> <strong>de</strong> <strong>Histórias</strong>: um exercício para muitas vozes<br />
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ligada ao contexto da oralida<strong>de</strong>. Na verda<strong>de</strong>, relato oral e escrito se entrelaçam e retroalimentam:<br />
“a linguagem conduz da boca para a página e vice-versa, e a ‘oratura’, ou<br />
a literatura oral, no Oci<strong>de</strong>nte não existiu <strong>de</strong> modo isolado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos homéricos”<br />
(Marina Warner). Às duas categorias <strong>de</strong> narradores postuladas e associadas por<br />
Walter Benjamin – a do camponês se<strong>de</strong>ntário, que recolhe o saber do passado, e a do<br />
marinheiro comerciante, que traz o saber das terras distantes –, Marina Warner acrescenta<br />
a da fian<strong>de</strong>ira, “mulher madura com sua roca”, que se tornou “ícone genérico<br />
da narrativa nas capas <strong>de</strong> coleções <strong>de</strong> fadas a partir <strong>de</strong> Charles Perrault”.<br />
A esta linhagem pertencem também D. Benta e Tia Nastácia (Monteiro Lobato),<br />
inseparáveis repositórios do saber erudito e popular, respectivamente. Outra figura<br />
que remete às maternais contadoras <strong>de</strong> histórias e também às antigas <strong>de</strong>usas da fecundida<strong>de</strong><br />
é a mulher <strong>de</strong> saia imensa, toda cheia <strong>de</strong> bolsos, que canta e conta histórias,<br />
“espiando papeizinhos, como que lê a sorte <strong>de</strong> soslaio”: “dos bolsos vai tirando<br />
papeizinhos, um por um, e em cada papelzinho há uma boa história para ser contada,<br />
<strong>de</strong> fundação e fundamento, e em cada história há gente que quer tornar a viver por<br />
arte <strong>de</strong> bruxaria. E assim ela vai ressuscitando os esquecidos e os mortos; e das profundida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong>sta saia vão brotando as andanças e os amores do bicho humano, que<br />
vai vivendo, que dizendo vai” (Eduardo Galeano).<br />
<strong>Contadores</strong> conhecem bem o seu ofício e, não raro, também escrevem lindamente.<br />
O contador – afirma Galeano – é alguém prenhe, “grávido <strong>de</strong> gente. Gente que sai<br />
por seus poros. Assim mostram, em figuras <strong>de</strong> barro, os índios do Novo México: o<br />
narrador, o que conta a memória, coletiva, está todo brotado <strong>de</strong> pessoinhas”. Cada<br />
contador – lembra Clarissa – sabe que “contar ou ouvir histórias <strong>de</strong>riva da energia<br />
<strong>de</strong> uma altíssima coluna <strong>de</strong> seres humanos interligados através do tempo e do espaço,<br />
sofisticadamente trajados com farrapos, mantos ou com a nu<strong>de</strong>z da sua época, e repletos<br />
a ponto <strong>de</strong> transbordarem <strong>de</strong> vida ainda sendo viva. Se existe uma única fonte das<br />
histórias e um espírito das histórias, ela está nessa longa corrente <strong>de</strong> seres humanos”.<br />
Narrar, tecer, curar. Walter Benjamin, no artigo “Narrar e curar”, a propósito<br />
da extraordinária força <strong>de</strong> cura das mãos e da voz <strong>de</strong> uma mulher que contava histó-