Contadores de Histórias - Histórias Interativas
Contadores de Histórias - Histórias Interativas
Contadores de Histórias - Histórias Interativas
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
ias junto ao leito do filho enfermo, conjectura: “toda doença não seria curável, contanto<br />
que se <strong>de</strong>ixasse levar suficientemente longe – até a embocadura – pela corrente<br />
da narrativa?” E conclui: “O acaricial <strong>de</strong>senha um leito para essa corrente”.<br />
Por sua vez, como educador e terapeuta <strong>de</strong> crianças gravemente perturbadas, cuja<br />
tarefa principal foi restaurar um significado na vida <strong>de</strong>las, Bruno Betelheim <strong>de</strong>stacou,<br />
do conjunto da literatura infantil, os contos <strong>de</strong> fadas, por proporcionarem “as<br />
experiências na vida infantil mais a<strong>de</strong>quadas para promover sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> encontrar<br />
sentido na vida”, ajudando a criança a lidar com a “perplexida<strong>de</strong> existencial”.<br />
Segundo o psicanalista, “o prazer que experimentamos quando nos permitimos ser<br />
susceptíveis a um conto <strong>de</strong> fadas, o encantamento que sentimos não vêm do significado<br />
psicológico <strong>de</strong> um conto (embora isto contribua para tal), mas das suas qualida<strong>de</strong>s<br />
literárias – o próprio conto como uma obra <strong>de</strong> arte”, “uma forma artística única”.<br />
Nesse sentido, parafraseando Walter Benjamin, a arte po<strong>de</strong> ser terapêutica (ou revolucionária,<br />
pedagógica etc.) mas, enquanto arte, sem jamais abrir mão do valor estético.<br />
Clarissa Estés, contadora/cantadora e terapeuta junguiana, consi<strong>de</strong>ra que as histórias<br />
“são bálsamos medicinais”, medicamentos que “fortificam o indivíduo e a comunida<strong>de</strong>”,<br />
amenizam “velhas cicatrizes” e dão “alívio a antigas feridas”, conferindo “movimento<br />
à nossa vida interior”: “o ofício <strong>de</strong> contar histórias” e “o ofício <strong>de</strong> ocupar as<br />
mãos” possibilitam a “criação <strong>de</strong> algo, e esse algo é a alma. Sempre que alimentamos<br />
a alma, garantimos a expansão”.<br />
A tecelã das narrativas. Xeraza<strong>de</strong>, a célebre contadora <strong>de</strong> histórias que abre e<br />
fecha as Mil e uma noites, ao contar histórias para o sultão Xariar, cura-lhe a ferida interior,<br />
alimenta-lhe o espírito. Ao tecer, noite após noite, sua sedutora re<strong>de</strong> <strong>de</strong> histórias<br />
enca<strong>de</strong>adas, Xeraza<strong>de</strong> literal e simbolicamente vence a morte. Narra para não morrer.<br />
Narra para que as histórias não morram. Salva, assim, a sua história e as mil e uma que<br />
transporta e entretece, por encaixe, no fluxo da narrativa, sempre aberto a mais uma<br />
– bela e vertiginosa metáfora do infinito. A teia-tecido entrelaça passado e presente,<br />
memória e imaginação, e envolve a todos – a contadora, a irmã Dinazarda, as outras<br />
jovens do reino, o sultão, o povo –, criando um imaginário comum em expansão. Na<br />
Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s Soares<br />
219