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GUERRA DOS MASCATES JOSÉ DE ALENCAR

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Castro, e muitas nas práticas dos mercadores, chegara a dizer que os<br />

governadores abusavam do, seu regimento, já ingerindo-se nas<br />

cousas de justiça, já provendo postos que não cabiam em sua alçada.<br />

E não andava ele mal informado, pois ao próprio Sebastião de Castro<br />

mandou El-Rei estranhar asperrissimamente por se intrometer nos<br />

negócios de justiça, e também por exigir que a Câmara de Olinda lhe<br />

desse o tratamento de Senhor, a igual da majestade. Prova isto que o<br />

rei-povo é menos que o rei-só zeloso de suas prerrogativas, e mais<br />

bonachão com seus governadores e ministros.<br />

Com tais antecedentes não havia reparar na surpresa de Rebelo ao<br />

saber do conceito em que o tinha Sebastião de Castro e do empenho<br />

que tomava pela realização do mais ardente voto de sua alma.<br />

- Fui injusto! É homem de ânimo generoso, e um nobre coração! disse<br />

o mancebo penhorado da fineza.<br />

Havia então no Recife um letrado que vivia dos provarás, porém mais<br />

da rigorosa economia, a que se acostumara. Chamava-se Carlos de<br />

Enéia e era homem de meia-idade, metido consigo, que o mais do<br />

tempo levava a rabiscar papel.<br />

Há suspeitas de que seja o incógnito autor da crônica manuscrita<br />

donde extraíram-se estas memórias, e na qual porventura se<br />

refugiava o advogado do nojo pelas misérias públicas que o<br />

rodeavam.<br />

Fora Enéia algum tempo secretário de Sebastião de Castro, quando<br />

este governara o Rio de Janeiro, bem que não se demorara no cargo,<br />

pois ele, como de D. João de Castro disse Jacinto Freire, "podiam<br />

sofrê-lo como vassalo, mas não como criado".<br />

Do pouco tempo de serviço lhe ficara larga experiência do natural de<br />

Sebastião de Castro, de quem algumas vezes costumava dizer: "que<br />

era varão insigne, porém no posto a que o subira a fortuna, andava<br />

desencontrado, desgovernando tudo pela ânsia de muito governar".<br />

Ligava Rebelo ao letrado uma afeição que nascera da conformidade<br />

no temperamento de suas almas. Estando à noite com o amigo,<br />

referiu-lhe o alferes o ocorrido, mostrando-se rendido à galhardia de<br />

Sebastião de Castro.<br />

Sorriu-se Enéia, citando um verso de Sírus:<br />

- Nisi qui sit facere, insidias nescit metuere.<br />

- Que queres dizer com isto? tornou Vital.<br />

- Que vês a imagem alheia no espelho de tua alma; mas eu, que a<br />

vejo à luz da experiência, descubro sombras que te escapam.<br />

- E quais são elas, não me dirás?<br />

- O elogio é um meio muito usado, mas sempre novo, de render a<br />

vaidade; e neste caso tem outra serventia, qual é convencer-te da<br />

gentileza de quem os faz. Se até agora nutrias uma prevenção contra<br />

Sebastião de Castro, de hoje avante vai ele tentar-te pela mais<br />

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