GUERRA DOS MASCATES JOSÉ DE ALENCAR
GUERRA DOS MASCATES JOSÉ DE ALENCAR
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Aglaia, a qual o tinha de primor, valha a fábula, como a graça que era<br />
do chiste e da malícia, donde veio chamarem-na os gregos de<br />
esplêndida.<br />
Agora vejo que não se conhece ainda a casa, nem o lugar em que<br />
estava situada, sem falar de outras particularidades, que não deixam<br />
de ser curiosas, com especialidade o dono; pois, e não digo novidade,<br />
se em geral os prédios são cousa de seu proprietário, também donos<br />
há que são acessórios de sua casa.<br />
Estamos no Recife.<br />
Andando a Rua da Praia dos Coqueiros, no bairro de Santo Antônio,<br />
quem ia naquele tempo do Colégio para as bandas das Cinco Pontas,<br />
quase a meio caminho encontrava um vasto edifício que ficava<br />
fronteiro à barra; ainda a Rua da Maré com sua casaria não se tinha<br />
prolongado até aquele ponto da ribeira.<br />
Larga e baixa, a casa terreira acaçapava-se entre o arvoredo do<br />
quintal que a beirava de um e outro lado; mas dava logo nas vistas<br />
pela especialidade da pintura extravagante com que a haviam<br />
lambuzado, pois outra qualificação não quadraria à incrível borradela.<br />
Tinha cerca de quatro anos o edifício. Acabada nele a obra de pedreiro<br />
e carapina, quando se teve de passar ao artigo pintura, vieram as<br />
tribulações para o dono, o digno Sr. Simão Ribas, mascate de peso e<br />
marca entre os principais do Recife.<br />
Não sei se já ai por essa monarquia doméstica tinham inventado o<br />
governo pessoal, e usavam as calças responsáveis meterem-se por<br />
baixo da saia inviolável. Cá, no meu alfarrábio, só vejo que houve<br />
muita rezinga e altercação, acabando o bate-barba ou questão de<br />
alcova, como de costume, com o triunfo completo da trunfa, que era<br />
então, como o coque é hoje, a coroa doméstica.<br />
Sabidas as contas, decidira a Sr.a Rufina Ribas que a fachada fosse de<br />
uma cor farfante e para ver-se a léguas, lá do alto-mar. Antes de<br />
surdir o navio pelo Lameirão adentro, queria a respeitável matrona<br />
que sua casa nova entrasse pelas vistas da gente que vinha da santa<br />
terrinha.<br />
Nem por sombras ocorreu ao marido a idéia de opor-se à vontade de<br />
sua dona. Era um marido constitucional o Sr. Simão Ribas; e não há<br />
ai ministro cortesão, a que ele não levasse as lampas na arte insigne<br />
de fundir-se, como cera, em figurinhas moldadas ao capricho<br />
mulheril. Não foram, pois, assomos de resistência que perturbaram a<br />
paz doméstica; ao inverso, proveio tudo de excessos de zelo e<br />
obediência.<br />
Chamado a conselho o exímio borrador a fim de dar alvitre sobre o<br />
caso, foi de voto que não havia como o zarcão, para fazer o gosto à<br />
Sr.a Rufina. Dito e feito: no dia seguinte amanheceu a parede<br />
assanhada com uma crosta do mais coruscante vermelho.<br />
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