GUERRA DOS MASCATES JOSÉ DE ALENCAR
GUERRA DOS MASCATES JOSÉ DE ALENCAR
GUERRA DOS MASCATES JOSÉ DE ALENCAR
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
que todas lhe provinham dos destemperos de boca. Que heroísmos,<br />
porém, não inspira a bajulação?<br />
Assim frustrada sua esperança de vingar-se no ajudante, se deixou<br />
ficar o Nuno oculto no mata-pasto, à espreita do nosso poeta Lisardo,<br />
com quem contava para o plano que forjara.<br />
Já haviam passado o Rev. João da Costa em companhia de Miguel<br />
Correia, e o Lisardo não se resolvia a apartar-se da rótula. Cansado<br />
de esperar, o Nuno que não primava pela paciência, foi-se<br />
aproximando agachado entre o mata-pasto, e de repente surdiu em<br />
face do nosso poeta.<br />
- Defende-te, vilão! gritou o mascatinho engrossando a voz e puxando<br />
do chanfalho.<br />
Ao ver-se atacado por uma panóplia, o Lisardo, que sofria de nervoso,<br />
ficou estatelado contra a parede, sem voz para proferir palavra;<br />
porém maior foi a surpresa quando todo aquele fero se trocou em<br />
gargalhada, e ele reconheceu sob a viseira o rosto brejeiro do Nuno.<br />
- Sempre tens uns modos!... disse o nosso poeta arrufado.<br />
- Com que então queria o Sr. Lisardo de Albertim que eu o deixasse<br />
muito de seu e sossegado estar aqui de requebros e segredinhos com<br />
a sonsa da senhora minha irmã, que aposto nos está escutando por<br />
detrás daquela rótula.<br />
Ouviu-se um muxoxo entre as frestas.<br />
- Pois engana-se, tornou o mascatinho entonando-se outra vez no seu<br />
recacho guerreiro. À espada ou lança, a pé ou encarapitado, lhe<br />
mostrarei que... que você é um poeta das dúzias.<br />
- E você um espalha-brasas!... atalhou com impaciência uma voz<br />
maviosa que vinha da rótula.<br />
Voltou-se o Nuno para dar-lhe o troco; mas em vez do rostinho de<br />
alfenim que ele esperava encontrar, lobrigou através da rótula<br />
entreaberta as marrafas de uma respeitável matrona, que se<br />
aproximava da janela com uma curiosidade suspeita.<br />
Essa matrona era nada menos do que a Senhora Rosaura, mulher do<br />
mercador Miguel Viana e mãe do nosso Nuno.<br />
Percebendo-lhe as pisadas, a menina dos olhos negros esgueirou-se<br />
da rótula o mais depressa que pôde. Vendo o que, o Lisardo teve o<br />
palpite de amolar as canelas, escamando-se a bom correr pelo campo<br />
fora.<br />
Pensou o Nuno que era esse o mais prudente alvitre, e apesar da<br />
durindana que lhe embaraçava as pernas e da cervilheira a dançar-lhe<br />
na cachola, lá disparou pelo mata-pasto no encalço do Lisardo, de<br />
quem não lhe fazia conta perder a pista.<br />
Momentos depois caminhavam os dois amigos pelo istmo, na direção<br />
de Olinda.<br />
82