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GUERRA DOS MASCATES JOSÉ DE ALENCAR

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intrincados, e o governador tão desviado do bom caminho pelo mau<br />

conselho dos que o cercavam.<br />

Era João Cavalcanti naquele tempo o chefe da grande família<br />

Cavalcanti, que em Pernambuco data da fundação da colônia, e<br />

provém de troncos nobilíssimos; pela linha materna saíram da estirpe<br />

dos Coelhos e Albuquerques, flor da fidalguia portuguesa, e pela linha<br />

paterna remontam a Arnaldo Cavalcanti, que se aliou na casa dos<br />

Médicis, a mais ilustre de Florença; de cuja linhagem nasceu Filipe<br />

Cavalcanti que se passou a Pernambuco, nos primeiros tempos da<br />

povoação.<br />

De grandes posses, senhor de muitos engenhos, vivendo à lei da<br />

grandeza, com todos os regalos da vida; bravo, cortês e generoso,<br />

embora presumido de sua fidalguia; liberal até à prodigalidade, de<br />

bolsa aberta sempre para quem a ele recorria: era de razão que<br />

tivesse o capitão-mor grande séquito não só entre os moradores<br />

nobres, como na gente miúda da terra.<br />

Não havia, entre os mazombos insignes daquele Pernambuco, outro<br />

mais acatado do que este, e tão poderoso; pois só com os seus<br />

escravos e os acostados de seus engenhos, sem falar das suas<br />

ordenanças e dos inúmeros sequazes que tinha pelos povoados, podia<br />

levantar da noite para o dia um bom terço de tropa mais decidida,<br />

senão melhor armada, do que a milícia do governador.<br />

Mazombo era o título popular que tinham naquela época os principais,<br />

entre os nobres pernambucanos. A história, que nos conservou o<br />

vocábulo, hoje caduco, descuidou-se de transmitir a origem; de modo<br />

que, a não ser o precioso manuscrito desta crônica, não poderia o<br />

Instituto Histórico, apesar de profundas e sábias investigações,<br />

assentar opinião segura em tão escabroso assunto.<br />

Tinha a destruição dos Palmares divulgado boa cópia de nomes<br />

africanos, empregados pelos negros na sua república. Zambi<br />

chamavam ao cabo supremo, a quem todos obedeciam; e muzambi,<br />

eram os grandes oficiais, do serviço do maioral, e seus ministros.<br />

Por desprezo, entraram os mercadores portugueses a alcunharem os<br />

nobres pernambucanos de mazombos, como para inculcá-los de<br />

cabecilhas de negros, querendo com isso lançar-lhes o labéu de gente<br />

de cor. É peco esse de nossos irmãos, tine mais tarde inventaram<br />

com a mesma intenção o epíteto afrontoso de pé-de-cabra.<br />

Repetiu-se o que sempre sucede em tais casos. Os filhos de<br />

Pernambuco, e especialmente a gente de cor, trocando em honroso<br />

mote o nome que lhes haviam lançado os contrários como afronta,<br />

timbravam em designar por mazombos as pessoas principais da<br />

nobreza pernambucana; e tornou-se o titulo de mazombo insigne a<br />

maior glória a que poderia aspirar um fidalgo na terra de seu<br />

nascimento.<br />

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