GUERRA DOS MASCATES JOSÉ DE ALENCAR
GUERRA DOS MASCATES JOSÉ DE ALENCAR
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Mas, agastada pela vergonha que lhe causava, não repôs nele os<br />
lindos olhos negros, ainda que não deixou de volver-lhe uma e muitas<br />
vezes a vista de relance.<br />
Nessa hora decidiu-se o destino de Vital Rebelo.<br />
Outras donzelas tinham o Recife e Olinda, e das mais formosas, que<br />
suspiravam entre as persianas do balcão vendo passar no seu garboso<br />
ginete o prendado mancebo, e cuja mão de esposa bastaria um<br />
desejo seu para obtê-la.<br />
Mas havia ele de prender-se àqueles negros olhos, que, se lhe<br />
prometiam meigos rendimentos, deviam custar-lhe tantas ânsias e<br />
aflições, como lhe estavam reservadas na triste sina de amante, que<br />
depois de esposo, tornou ao que era, porém desventurado.<br />
Desde aquela tarde de Corpo de Deus avistou-se Vital muitas vezes<br />
com Leonor, ou no bakão da casa, ou na Sé em hora de missa, ou na<br />
rua por entre as cortinas do palanquim; e parecia-lhe que de cada vez<br />
se apagava aquela esquivança, como que de princípio fugiam os olhos<br />
da donzela de encontrarem-se com os seus.<br />
Uma tarde em que ficou a donzela só por um instante no balcão, Vital,<br />
que andava espreitando essa ocasião, chegou a todo o galope do<br />
ginete, o qual ao manejo do destro cavalheiro empinou-se quase<br />
direito apoiando as patas na parede.<br />
Baixos como eram naquele tempo os andares, pode o ágil mancebo<br />
erguer-se na sela a jeito de oferecer a Leonor um cravo encarnado<br />
menos formoso todavia que os dois abertos àquele instante nas<br />
aveludadas faces da donzela.<br />
Não se animava a tímida moça a tomar a flor da mão do cavalheiro, e<br />
foi preciso que este lha deixasse na manga do vestido que abria-se<br />
em volta do mimoso braço, como a folha a cingir o cálice do lírio.<br />
Nesse momento assomou à janela André de Figueiredo, que<br />
suspeitoso observara de dentro a ousadia do cavalheiro e a<br />
indulgência da dama. Lançando mão à flor arremessou-a contra o<br />
rosto de Vital, enquanto com o braço esquerdo arredava a sobrinha<br />
da janela, falando-lhe de um modo áspero:<br />
- Recolha-se, Leonor!<br />
Entretanto Rebelo que apanhara a flor no ar, trouxe outra vez o<br />
brioso ginete contra a parede.<br />
Então com admirável agilidade alcançou o parapeito do balcão e<br />
saltou na janela, ao lado de Figueiredo.<br />
Quando este apercebeu-se do lance, estava sujigado à portada pela<br />
mão robusta de Rebelo, que desembainhando a adaga disse para<br />
Leonor:<br />
- Tomai-me este cravo, senhora, e prendei-o ao peito de vosso<br />
justilho, por que se o deixais cair, à fé de Deus e da muita adoração<br />
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