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GUERRA DOS MASCATES JOSÉ DE ALENCAR

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que não tenha sua papeterie com papel de vários tamanhos, desde o<br />

de palmo para cartas de negócio até o de polegada para os<br />

bilhetinhos açucarados. E não só papel como sobrecartas, fechos<br />

emblemáticos, lacres perfumados, penas diamantinas, areia de ouro,<br />

enfim todo o arsenal de ninharias indispensável à ciência epistolar, a<br />

mais transcendente e sublime deste século.<br />

A bem dizer, a carta é a mais poderosa alavanca do progresso: nem o<br />

jornal lhe chega. Quem se propusesse a estudar sua fisiologia e<br />

sistemar as espécies de que são principais a carta de empenho, a<br />

circular dos candidatos, a de crédito, a de namoro, de felicitação, de<br />

cumprimentos, a reservada, reservadíssima e confidencial, escreveria<br />

uma bela obra, um livro prático, dos mais justamente apreciados na<br />

atualidade. E faria fortuna o autor, principalmente se o governo lhe<br />

ficasse com a metade dos exemplares, no intuito de promover a<br />

colonização.<br />

No tempo desta história, a ciência epistolar estava ainda no embrião.<br />

Cada casa, e das fidalgas e abastadas, era mobiliada com um tinteiro<br />

único, mas respeitável.<br />

Esse traste importante, acompanhado dos seus acessórios, o areeiro,<br />

duas penas de ganso e uma hóstia ou obreia encarnada, estava<br />

debaixo de chave e sob a guarda imediata do dono da casa, como o<br />

responsável pela honra e segurança da família.<br />

Lembrou-se, portanto, Leonor da resposta por escrito, somente para<br />

reconhecer a impossibilidade em que estava de usar dela. O outro<br />

meio, mais corriqueiro, o dos recadinhos, bem sabia ser impraticável,<br />

assim de repente, em uma casa onde a traziam espiada. Sôfrega,<br />

correu os olhos por todos os cantos e móveis do aposento,<br />

procurando um meio, ou pelo menos uma inspiração.<br />

Com a cabeça inclinada em atitude pensativa, engastando entre os<br />

dentes de pérola a unha rosada do polegar, e estremecendo de<br />

impaciência, estava encantadora a donzela. Dir-se-ia que ela<br />

esperava tirar da coroa daquele dedinho mimoso o fio do enigma,<br />

como costumava puxar com os dentes a ponta da linha para<br />

desembaraçar a meada.<br />

Eis que desperta com um pulinho de contentamento. Estende o seu<br />

lenço de batista sobre o donzel, e tirando uma agulha de bordar do<br />

açafate de costura; picou a veia azul do braço esquerdo.<br />

Uma gota, e da mais fina púrpura, borbulhou na tez alva e acetinada.<br />

Aí molhando a miúdo a ponta da agulha, pôde escrever na cambraia<br />

estas palavras: amanhã na cerca.<br />

Machucou o lenço na mão, que mal o escondia, e disfarçando esta<br />

entre os fofos da saia, voltou à sala onde encontrou ainda em<br />

conversa animada D. Severa e o capitão. As outras senhoras da casa<br />

estavam sentadas em roda de D. Lourença, respeitável matrona<br />

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