GUERRA DOS MASCATES JOSÉ DE ALENCAR
GUERRA DOS MASCATES JOSÉ DE ALENCAR
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marisesca, ísca do mar; e, estabelecido esse ponto, concluiu que<br />
todos os crustáceos do rio provinham do oceano e entravam pela<br />
barra do Recife, pelo que só ao Recife competia apanhá-lo. Quanto ao<br />
Viana, na sua qualidade de provedor dos defuntos, discorreu<br />
largamente, com a tal voz de carretão; mas ninguém percebeu o que<br />
disse; devia ser cousa muito profunda e digna da maior ponderação,<br />
porquanto os ministros ali mesmo julgaram necessário dormir sobre o<br />
caso.<br />
Nesse ínterim o Ajudante Negreiros ouvindo desusado rumor na<br />
praça, obtida a vênia do governador, ergueu-se da mesa e assomouse<br />
à janela para inquirir da causa dessa agitação.<br />
Fronteiro a palácio estava postado um cavaleiro petiço e magriço,<br />
armado de todas as peças, capacete, gorjal, couraça, grevas,<br />
espaldeira braçais e guante, com o ginete estacado e a lança em<br />
punho. No elmo trazia ele por timbre uma aspa de vermelho com<br />
cinco estrelas de ouro, e na cota de malha o escudo dos Barros,<br />
campo vermelho, três bandas de prata e sobre o campo nove estrelas<br />
de ouro.<br />
Outro cavaleiro também armado de todas as peças, e das mesmas<br />
cores, se adiantara até o pórtico e batendo três vezes no escudo com<br />
o conto da lança, clamou em voz alta:<br />
- Ouçam todos este repto. O cavaleiro das estrelas, por mim, seu<br />
escudeiro, te desafia a ti D. Sebastião de Castro Caldas a combate<br />
singular, onde te provará à lança e à espada, a pé e na estacada,. que<br />
és um cavaleiro desleal, pois não sabes guardar a cortesia às damas.<br />
O escudeiro, retrocedendo, foi colocar-se atrás do cavaleiro das<br />
estrelas; donde com pouco avançou de novo para repetir o repto. Foi<br />
da terceira vez que o ajudante chegou e o ouviu.<br />
Depois disso o cavaleiro com o escudeiro deu três voltas à praça, e de<br />
cada uma delas, parando em frente à janela de palácio, gritou com<br />
uma voz esganiçada:<br />
- Perante todos proclamo covarde D. Sebastião de Castro, que não se<br />
atreve a sustentar o seu dito em combate leal.<br />
Esta cena a principio passara desapercebida para os oficiais de sala e<br />
mais gente que estava em palácio; quando lhe deram atenção, foi tal<br />
a surpresa, que ninguém se lembrou de intervir, e já se retiravam<br />
cavaleiro e escudeiro, quando o ajudante que descia as escadas de<br />
tropel, montou a cavalo e foi-lhes no encalço.<br />
Tomando a dianteira ao cavaleiro, gritou-lhe o ajudante:<br />
- Levanta a viseira!<br />
- Se vens da parte de D. Sebastião para conhecer o cavaleiro diante<br />
de quem ele fugiu, olha!<br />
E levantada a viseira, o Negreiros ao ver a cara bem sua conhecida de<br />
D. Severa, disparou às gargalhadas, e deu de esporas ao cavalo para<br />
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