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GUERRA DOS MASCATES JOSÉ DE ALENCAR

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Uma circunstância muito concorria para agravar a posição da nobreza<br />

pernambucana. Não permitindo as idéias do tempo que os fidalgos se<br />

dessem à mercancia por ser esse um ofício plebeu, resultava daí que<br />

os seus fornecedores eram gente inferior e animada do ciúme que em<br />

todos os tempos, mas principalmente naquela época, dividia as<br />

classes.<br />

O que porém mais fomentou a rivalidade entre os povos de Recife e<br />

Olinda foi o espírito de bairrismo.<br />

Os moradores da capitania descendiam na máxima parte de<br />

portugueses, ainda que já entrava aí grande mescla de sangue<br />

flamengo e outro de Europa, sem falar do indígena e africano.<br />

Tinham, porém, nascido ali, na terra americana, e consideravam-se<br />

herdeiros dessa pátria que seus maiores haviam reivindicado do<br />

holandês pelo heroísmo e intrepidez de suas armas.<br />

Por isso chamavam-se eles pernambucanos, e àqueles que vinham do<br />

reino se estabelecer na colônia davam o nome de forasteiros,<br />

negando-lhes o foro de vizinhos e portanto o direito de tomar parte<br />

no governo da terra.<br />

Com poucas exceções, eram os mercadores do Recife desses<br />

portugueses europeus, que deixavam a sua aldeia para tentarem a<br />

fortuna no novo mundo.<br />

Já naqueles tempos, como nos de hoje, tinha a colônia portuguesa<br />

duas virtudes, a que deve a sua prosperidade, e são: a perseverança<br />

e a união, dotes de raça, que todavia por uma ignota razão<br />

desmerecem no solo brasileiro e não se transmitem à prole aqui<br />

nascida.<br />

Chegava um desses garotos sem outro fato mais do que a trouxa<br />

amarrada em lenço de Lamego; com a camisa de bertangil, preto de<br />

sujo, e calções de lona besuntada de alcatrão. A força de trabalho<br />

conseguiam uma dúzia de patacas, com que se proviam de algumas<br />

réstias de alho e cebola, além de outras drogas, e saíam a mercar<br />

pelas ruas do povoado e engenhos do interior. Nesse giro mesquinho<br />

ajudavam-nos os patrícios, fiando-lhes fazendas e drogas para<br />

estenderem o seu tráfego, e assim arvorados em mascates aqueles<br />

labregos, que no reino nem para moços de servir prestavam, de<br />

repente se viam senhores de grosso cabedal.<br />

Deste modo, com pouca discordância de termos, se exprime um<br />

malévolo cronista pernambucano no intuito de rebaixar os mercadores<br />

do Recife, quando ao invés lhes tece o maior encômio, pondo em<br />

relevo o caráter laborioso e paciente desses homens, filhos de seus<br />

trabalhos e obreiros da própria fortuna.<br />

De dia em dia, pois, ia crescendo o ciúme entre os dois povoados, na<br />

medida em que o plebeu Recife medrava com o impulso de seu<br />

comércio florescente, e a aristocrática Olinda decaía pelo desbarato<br />

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