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revista “Querer é Poder” - Instituto Pupilos do Exército

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omper o caminho que lhe está destina<strong>do</strong> (fada<strong>do</strong>). O que move<br />

o herói não <strong>é</strong>, pois, a consciência da sua missão, a vontade de<br />

triunfar sobre as forças adversas para alcançar uma finalidade<br />

que se apresente clara à sua mente. O que o move <strong>é</strong>, na verdade,<br />

o cego destino (cf. primeiro verso da estância seguinte), o fa<strong>do</strong>,<br />

que, segun<strong>do</strong> a mitologia greco-latina, determinava a vida<br />

humana e a vida <strong>do</strong>s deuses, não sen<strong>do</strong> possível escapar aos<br />

seus ditames avassala<strong>do</strong>res.<br />

Há, pois, uma clara coincidência entre a situação da princesa e<br />

a <strong>do</strong> infante: ambos navegam na inconsciência da sua própria<br />

condição. Apesar de a atitude dela ser eminentemente passiva<br />

e a dele aparentemente ativa, não se descortina diferença<br />

substancial na condição das duas personagens: ambas<br />

reciprocamente desconhecidas (cf. o quiasmo <strong>do</strong> início <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is<br />

últimos versos: «Ele dela» / «Ela para ele»), ambas ignorantes<br />

<strong>do</strong> seu próprio destino, ambas conduzidas por forças ocultas<br />

que não controlam, pairam num mun<strong>do</strong> onde a liberdade e a<br />

vontade pessoal são impossibilidades factuais.<br />

A quinta estância corrobora o que foi transmiti<strong>do</strong> na anterior.<br />

É o Destino (com maiúscula inicial, ser superiormente<br />

personifica<strong>do</strong>, como na mitologia) que comanda to<strong>do</strong> o<br />

processo de libertação. Talvez por isso o bem e o mal estejam<br />

afasta<strong>do</strong>s deste empreendimento. É que os valores morais<br />

norteiam comportamentos de seres livres, que tomam decisões,<br />

que constroem a sua existência, que advogam para si mesmos<br />

aquela autonomia que se não compadece com um destino pr<strong>é</strong>-<br />

-fixa<strong>do</strong>. Por<strong>é</strong>m, no presente caso, assistimos à configuração de<br />

duas personagens que não <strong>do</strong>minam a própria existência, que<br />

não são autónomas exatamente porque o não podem ser, uma<br />

vez que obedecem simplesmente a determinações superiores<br />

que lhes não permitem, por enquanto, despertar para a vida.<br />

Vivem numa esp<strong>é</strong>cie de esta<strong>do</strong> de inocência anterior à tomada<br />

de consciência de si mesmos e, por conseguinte, anterior<br />

a qualquer ato interpretável eticamente. Embora não haja<br />

qualquer alusão ao paraíso bíblico, os nossos heróis parecem<br />

identificar-se com a inocência de Adão e Eva antes de haverem<br />

prova<strong>do</strong> o fruto da árvore <strong>do</strong> conhecimento <strong>do</strong> bem e <strong>do</strong> mal.<br />

Só no momento em que se conhece a verdade <strong>é</strong>tica se está em<br />

condições de tomar decisões com relevância moral. Antes disso,<br />

quan<strong>do</strong> a inconsciência de si mesmo, enquanto ser responsável<br />

pelo próprio destino, <strong>do</strong>mina o coração humano, nenhuma<br />

humanidade pode acontecer.<br />

A condição de cada um está, pois, inscrita no coração <strong>do</strong><br />

Destino. Se ela <strong>do</strong>rme, <strong>é</strong> porque assim tem de acontecer; se ele a<br />

busca, ainda que sem consciência disso mesmo, <strong>é</strong> porque assim<br />

tem de fazer. Princesa e infante são meros títeres nas mãos da<br />

providência <strong>do</strong>s deuses; estão longe de assumirem a condição<br />

humana em toda a sua vastidão.<br />

A sexta estrofe opõe a obscuridade de tu<strong>do</strong> o que existe na<br />

estrada à atitude segura <strong>do</strong> infante. Sen<strong>do</strong> o resulta<strong>do</strong> de um<br />

processo divino, a estrada não deveria, segun<strong>do</strong> os cânones<br />

tradicionais, ser obscura, uma vez que tu<strong>do</strong> o que tem origem<br />

na divindade <strong>é</strong>, de acor<strong>do</strong> com tais cânones, luminoso. De<br />

qualquer forma, embora o adjetivo «obscuro» esteja diretamente<br />

relaciona<strong>do</strong> com tu<strong>do</strong> o que existe na estrada, talvez se deva<br />

interpretar como referente à condição <strong>do</strong> sujeito. É o infante<br />

que, na sua ignorância, não pode ver com clareza o caminho<br />

que percorre. Fica assim explica<strong>do</strong> o motivo por que, neste<br />

ESCRITOS<br />

contexto, <strong>é</strong> usa<strong>do</strong> o adjetivo «falso» para qualificar a mesma<br />

realidade. A estrada que ele percorre <strong>é</strong> falsa porque <strong>é</strong> falsa a sua<br />

condição de ser que desconhece a verdade, que se desconhece<br />

a si mesmo, que não tem a mínima noção da finalidade <strong>do</strong> seu<br />

itinerário. E apesar disso, mergulha<strong>do</strong> na sua inconsciência, vai<br />

seguro (porque o destino assim o determina), derrotan<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s<br />

os obstáculos que se lhe opõem, at<strong>é</strong> ao lugar para onde o fa<strong>do</strong> o<br />

havia guarda<strong>do</strong>, junto ao corpo a<strong>do</strong>rmeci<strong>do</strong> da princesa. Talvez<br />

seja ali o local e o tempo da sua humanização, da tomada de<br />

consciência de quem <strong>é</strong>, de onde vem e para onde vai.<br />

Na s<strong>é</strong>tima estância ocorre o desfecho surpreendente de toda<br />

a mat<strong>é</strong>ria dieg<strong>é</strong>tica, afastan<strong>do</strong>-se, assim, <strong>do</strong> conto que parece<br />

narrar. E <strong>é</strong>, sobretu<strong>do</strong>, este explicit inespera<strong>do</strong> que nos põe<br />

de sobreaviso a respeito da autêntica interpretação <strong>do</strong> texto.<br />

Num gesto quase banal, após uma longa caminhada repleta<br />

de inenarráveis obstruções que deixam marcas no corpo e na<br />

mente, o herói ergue a mão à cabeça e acha nela… a grinalda<br />

de hera que ornara a fronte da princesa a<strong>do</strong>rmecida. Toma<br />

então consciência da sua identificação com ela. Tamb<strong>é</strong>m ele<br />

estivera a<strong>do</strong>rmeci<strong>do</strong>, inconsciente <strong>do</strong> caminho a percorrer,<br />

longe da verdade da vida e da verdade de si mesmo. Talvez tu<strong>do</strong><br />

aquilo por que passara não tivesse si<strong>do</strong> mais <strong>do</strong> que um sonho,<br />

como a terceira estrofe parece insinuar («Sonha em morte a<br />

sua vida»). Tu<strong>do</strong> parece jogar-se na oposição entre o esta<strong>do</strong> de<br />

inconsciência que o sono configura e o ato de despertar desse<br />

esta<strong>do</strong>. Mas, contrariamente ao conto da «Bela a<strong>do</strong>rmecida»<br />

no qual <strong>é</strong> o beijo (o amor e a sua expressão) que tem esse<br />

efeito alquímico de despertar o outro para a verdade da vida,<br />

contrariamente tamb<strong>é</strong>m ao mito de Eros e Psique no qual Psique<br />

<strong>é</strong> resgatada ao sono mortal pela força <strong>do</strong> Amor (Eros), no poema<br />

não <strong>é</strong> o amor que salva, mas o conhecimento, ou melhor, o<br />

autoconhecimento, a descoberta de si mesmo e da sua condição.<br />

Apenas quan<strong>do</strong> o sujeito se percebe à deriva no mun<strong>do</strong> das<br />

muitas tentações, <strong>do</strong>s obstáculos que a vida quotidiana incute,<br />

intentan<strong>do</strong> desviá-lo <strong>do</strong> seu itinerário para o absoluto, <strong>é</strong> que<br />

se torna realmente humano e inicia esse processo alquímico<br />

de transfiguração pessoal rumo ao infinito que mora afinal no<br />

interior de si mesmo. Mas esse aperfeiçoamento pessoal, esse<br />

caminho de identificação com a divindade, com a perfeição<br />

absoluta só poderá iniciar-se depois de se haver desperta<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

sono, ou seja, da ilusão de que a verdade autêntica, a realidade<br />

profunda se encontra no mun<strong>do</strong> fragmenta<strong>do</strong>, plural e exterior<br />

ao sujeito. É preciso tomar consciência de que só no infinito,<br />

simultaneamente transcendente e imanente, pode o ser humano<br />

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