Fernando Pessoa 2.pdf - Webnode
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Não saber tudo isto é ignorar tudo, ó raiva,<br />
Ó raiva que como uma febre e um cio e um fome<br />
Me põe a magro o rosto e me agita às vezes as mãos<br />
Em crispações absurdas em pleno meio das turbas<br />
Nas ruas cheias de encontrões!<br />
Ah, e a gente ordinária e suja, que parece sempre a mesma,<br />
Que emprega palavrões como palavras usuais,<br />
Cujos filhos roubam às portas das mercearias<br />
E cujas filhas aos oito anos — e eu acho isto belo e amo-o—<br />
Masturbam homens de aspecto decente nos vãos de escada.<br />
A gentalha que anda pelos andaimes e que vai para casa<br />
Por vielas quase irreais de estreiteza e podridão.<br />
Maravilhosa gente humana que vive como os cães,<br />
Que está abaixo de todos os sistemas morais,<br />
Para quem nenhuma religião foi feita,<br />
Nenhuma arte criada,<br />
Nenhuma política destinada para eles!<br />
Como eu vos amo a todos, porque sois assim,<br />
Nem imorais de tão baixos que sois, nem bons nem maus,<br />
Inatingíveis por todos os progressos,<br />
Fauna maravilhosa do fundo do mar da vida!<br />
(Na nora do quintal da minha casa<br />
O burro anda à roda, anda à roda,<br />
E o mistério do mundo é do tamanho disto.<br />
Limpa o suor com o braço, trabalhador descontente.<br />
A luz do sol abafa o silêncio das esferas<br />
E havemos todos de morrer,<br />
Ó pinheirais sombrios ao crepúsculo,<br />
52<br />
No saber todo esto es ignorar todo, oh rabia,<br />
¡Oh, rabia que como una fiebre y un celo y una avidez<br />
Me pone magro el rostro y me agita a veces las manos<br />
Con absurdas crispaciones en plena mitad de las turbas en las<br />
calles llenas de encontronazos!<br />
¡Ah, y la gente ordinaria y sucia, que parece siempre la misma,<br />
Que emplea palabrotas como palabras comunes,<br />
Cuyos hijos roban en las puertas de las mercerías<br />
Y cuyas hijas a los ocho años—y esto lo encuentro hermoso y lo<br />
amo!—<br />
Mas turban hombres de aspecto decente en los vanos de las<br />
escaleras.<br />
¡La gentuza que trepa a los andamios y regresa a casa<br />
Por callejuelas casi irreales de estrechez y podredumbre.<br />
Maravillosa gente humana que vive como los perros,<br />
Que está por debajo de todos los sistemas morales,<br />
Para quien ninguna religión se hizo,<br />
Ni ningún arte se ha creado,<br />
Ni ninguna política destinada a ellos!<br />
¡Como os amo a todos por ser así,<br />
Ni inmorales de tan bajos que sois, ni buenos ni malos,<br />
Inalcanzables por todos los progresos,<br />
Fauna maravillosa del fondo del mar de la vida!<br />
(En la noria del huerto de mi casa<br />
El burro da vueltas y vueltas,<br />
Y el misterio del mundo es del tamaño de esto.<br />
Limpia el sudor con el brazo, trabajador descontento.<br />
La luz del sol sofoca el silencio de las esferas<br />
Y habremos todos de morir,<br />
Oh pinares sombríos al crepúsculo,