Edição especial - Visão
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GUERRA DO GOLFO II De Bagdad para Lisboa<br />
IMIGRANTES DE LUXO<br />
▲ lTARIK AL-KOUDAYRI<br />
mente à VISÃO sobre o Iraque, o regime<br />
de Sadam e as razões que fizeram de<br />
Portugal a sua segunda pátria.<br />
Portugal lembra-lhe «sobretudo muito<br />
o Líbano», país que nunca teria abandonado<br />
se não tivesse ocorrido a guerra<br />
com Israel, na década de 70.<br />
Foi, aliás, no Líbano que se licenciou<br />
em Engenharia, tendo tirado mais tarde<br />
uma <strong>especial</strong>ização nos EUA. Alguns<br />
dos seus antigos colegas assumiram posições<br />
relevantes na administração iraquiana,<br />
mas Al-Koudayri tornou-se personna<br />
non grata.<br />
Ao descrever a situação no seu país,<br />
Al-Koudayri sente uma mistura de sentimentos:<br />
detesta o regime de Saddam,<br />
mas é frontalmente contra uma guerra<br />
que «só afectará o meu povo». E acrescenta:<br />
«Não vejo qualquer diferença entre<br />
Saddam Hussein, Ariel Sharon ou<br />
George W. Bush. Saddam é um psicopata,<br />
Sharon não é um ditador per se, mas<br />
o seu background é o de um fanático, e<br />
com Bush passa-se o mesmo.» Evita falar<br />
sobre as suas convicções religiosas<br />
ou políticas: «É algo que considero do<br />
foro privado. Todas as religiões são pela<br />
paz, mas infelizmente demasiadas pessoas<br />
usam-nas para outros fins.»<br />
Para Al-Koudayri, «o futuro do Iraque<br />
é uma incerteza». E explica: «Bush não<br />
incluiu nenhuma verba no orçamento<br />
para ajudar a reconstrução do Afeganistão.<br />
Quanto ao Iraque, pensa que será<br />
diferente.» E acrescenta:<br />
«O problema no meu país agravou-se<br />
desde que invadiu o Kuwait – a tensão<br />
aumentou e atingiu todas as camadas da<br />
população. A maior parte da riqueza ficou<br />
nas mãos de Saddam. Até ao início<br />
da guerra com o Irão tínhamos reservas<br />
no valor de 35 mil milhões de dólares; a<br />
partir daí, todos os projectos industriais<br />
«Não vejo qualquer diferença entre Saddam Hussein, Ariel Sharon ou George W. Bush»<br />
foram destruídos, os mercados internacionais<br />
fechados. O país perdeu todo o<br />
seu desenvolvimento.»<br />
Na sua opinião, os EUA querem<br />
controlar o Iraque como sucedeu nos<br />
anos 50. «Em 1958, com a queda da<br />
Monarquia, o Ocidente perdeu o controlo<br />
do país, incluindo as principais<br />
bases inglesas.»<br />
Segundo Al-Koudayri, o objectivo é<br />
«estabelecer bases no Iraque, porque é<br />
um dos Estados da zona onde existem<br />
mais pessoas com educação, e inúmeras<br />
riquezas, que não se limitam ao petróleo».<br />
E, à laia de remate: «Uma das coisas que<br />
os americanos sempre mais temeram,<br />
além do comunismo, foi o pan-arabismo.<br />
Entrar no Iraque será uma forma de controlar<br />
não só a Ásia Central mas também<br />
o Médio Oriente, por meio de governos<br />
locais que apoiem a política americana.<br />
O Iraque será uma ponte para isso.»<br />
Um ‘Lawrence’ português<br />
João Mariano da Fonseca nasceu há<br />
80 anos em Bagdad. É filho de um português<br />
que chegou à região ainda antes<br />
da I Guerra Mundial e de mãe iraquiana.<br />
Conheceram-se quando ele foi preso<br />
pelos turcos (do então Império Otomano)<br />
na cidade que é hoje a capital<br />
do Iraque.<br />
Mariano da Fonseca, que possui<br />
uma das maiores colecções<br />
de arte islâmica em Portugal, viveu<br />
no Iraque praticamente toda<br />
a vida. Frequentou o colégio<br />
americano e formou-se em Engenharia,<br />
tendo-se depois <strong>especial</strong>izado-se<br />
em refrigeração em<br />
Bombaim, na Índia, país onde<br />
conheceu a sua mulher. Acabou<br />
por voltar a trabalhar para empresas<br />
estrangeiras sediadas em<br />
Bagdad, «porque, depois da primeira<br />
revolução, os estrangeiros<br />
não podiam trabalhar para empresas<br />
locais, e apesar de tudo,<br />
eu tinha nascido lá».<br />
A convite do governo português<br />
anterior ao 25 de Abril, foi<br />
o primeiro cônsul do nosso<br />
país em Bagdad. Mas foram sobretudo<br />
o seus contactos e o<br />
facto de ser iraquiano de nascimento<br />
que lhe permitiram abrir<br />
muitas portas para empresas<br />
portuguesas que durante os<br />
anos 60, mas sobretudo 70, fizeram<br />
negócios no Iraque e<br />
noutros países da região.<br />
Apesar de ter voltado ao Iraque na década<br />
de 80, deixou definitivamente o<br />
país em 1977, quando «já não era seguro<br />
morar lá». A família tinha vindo em<br />
1975 para Portugal, mas o seu objectivo<br />
teria sido imigrar para o Brasil.<br />
Quando lhe perguntamos qual é a sua<br />
nacionalidade de preferência, Mariano<br />
da Fonseca responde peremptório:<br />
«Sinto-me aquilo que sou: iraquiano,<br />
português e inglês. E gosto muito de comida<br />
árabe, que é uma mistura de comida<br />
grega, europeia e árabe propriamente<br />
dita. Enfim, bizantina...» ■<br />
74 VISÃO 21 de Março de 2003<br />
BRUNO RASCÃO