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Academia Espírito-santense de Letras - Instituto Sincades

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ÁLvARO JOSé SILvA<br />

CADEIRA 14<br />

Ele está sentado em uma poltrona da sala <strong>de</strong> visitas, numa bela manhã <strong>de</strong><br />

domingo, esperando o almoço ser servido. No apartamento da filha, conversando<br />

com o genro, a uma pergunta banal sobre um quadro, começa<br />

a contar as partes mais interessantes da história <strong>de</strong> sua octogenária vida.<br />

Uma história que começa e termina num <strong>de</strong>sabafo: “Eu não estu<strong>de</strong>i. Não<br />

tenho leitura. Naquela época, os pais colocavam os filhos para trabalhar na<br />

lavoura muito cedo”. De preferência, logo que começavam a andar.<br />

Com ele foi assim. Ainda era menino quando o pai, Isaías, recebeu<br />

um pedido, quase or<strong>de</strong>m, <strong>de</strong> um amigo num final <strong>de</strong> tar<strong>de</strong>: “Man<strong>de</strong> o menino<br />

levar essa mula para a casa <strong>de</strong> minha mãe”. Era uma viagem longa,<br />

no lombo do próprio animal, atravessando matas do interior baiano, em<br />

picadas nelas abertas. A or<strong>de</strong>m foi dada. E o garoto, quase criança, atravessou<br />

uma noite inteira montado, passando sustos, em escuridão completa,<br />

até cumprir a <strong>de</strong>terminação do pai. E ele não discutia or<strong>de</strong>ns. Só as dava e<br />

nada mais.<br />

Num <strong>de</strong>terminado trecho, o animal empacou. Grunhia e não avançava.<br />

Alguma coisa branca havia à frente. Facão na mão, o menino amarrou a<br />

mula a uma árvore e <strong>de</strong>u um golpe contra o solo. Era só uma planta comum<br />

na região, folha bem longa, branca <strong>de</strong> um lado e cheia <strong>de</strong> espinhos do outro.<br />

Susto vencido, ainda restava todo um final <strong>de</strong> noite até chegar ao <strong>de</strong>stino.<br />

O homem sentado à poltrona, ao lado do genro, tem 80 anos. Chama-se<br />

Jonas. Fala sem mágoas, quase conformado: “Já fui tudo na vida. Lavrador,<br />

vaqueiro, lenhador, garimpeiro, pa<strong>de</strong>iro, trabalhei no braço a vida<br />

toda”. Os pais, Isaías e Sebastiana, a Tiana, chegaram a ter posses. Eram do<br />

interior <strong>de</strong> Minas Gerais, região <strong>de</strong> Jequitinhonha. Depois, foram para Me<strong>de</strong>iros<br />

Neto, na Bahia. Além <strong>de</strong> alguma terra e dois lotes <strong>de</strong> burros (cada lote<br />

compreen<strong>de</strong> <strong>de</strong>z animais), eles moravam em uma casa rural com relativo<br />

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O velho Jonas aos 80

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