Academia Espírito-santense de Letras - Instituto Sincades
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Os garimpos constituíam “posses”. Geralmente, pequenos pedaços <strong>de</strong> terra tomados no<br />
meio da mata, à margem dos rios e on<strong>de</strong> se acreditava haver riqueza. Não importava se terra<br />
pública ou privada. A “posse” do garimpo era abandonada somente <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> exauridas todas as<br />
possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> se encontrar pedras, dinheiro. Ou, então, quando elas acabavam. Nesse meio<br />
tempo, eram <strong>de</strong>fendidas. De preferência, com armas já sacadas.<br />
O velho conhece muita história <strong>de</strong> gente que per<strong>de</strong>u tudo. Como até os mais ricos não<br />
haviam estudado e o analfabetismo era doença crônica em quase todos os lugares, como saber<br />
o que estava escrito em um papel on<strong>de</strong> a impressão digital tinha sido <strong>de</strong>ixada? Na maioria das<br />
vezes, acreditava-se na palavra dos que “liam” os textos. E, em algumas ocasiões, perdia-se tudo<br />
o que havia sido “vendido”. Então, mais barulho <strong>de</strong> tiros era ouvido.<br />
Famílias se <strong>de</strong>sfaziam da noite para o dia. Pessoas sumiam, corpos não eram mais encontrados.<br />
No bang-bang dos primeiros tempos do Século XX, num Brasil que só então ia aos<br />
poucos <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> ser quase apenas agrícola para começar a se industrializar, raros eram os<br />
que podiam comprar jornais, ler e se inteirar dos fatos <strong>de</strong> interesse nacional. “A gente não tinha<br />
leitura”, era o que mais se ouvia das pessoas. Nem mesmo as parcas notícias <strong>de</strong> violência no<br />
campo circulavam, senão por relatos. Cidadania, o que é isso?<br />
O resultado <strong>de</strong> uma situação como essa era previsível. Assim como em tantas outras<br />
famílias, dos oito filhos que Jonas e Luzia cuidaram, somente uma, a mais velha do segundo<br />
casamento da mulher, terminou o curso superior. Os <strong>de</strong>mais ficaram no ensino fundamental.<br />
Um dos filhos <strong>de</strong> Luzia acabaria morrendo num crime estúpido: trabalhava num hotel em Ouro<br />
Preto e, um belo dia, <strong>de</strong>sligou o rádio do carro conversível do filho <strong>de</strong> um fazen<strong>de</strong>iro rico, porque<br />
o barulho era alto e fazia chorar seu filho pequeno, doente. Tomou um tiro no peito pela “invasão<br />
<strong>de</strong> domicílio”. E isso já vivendo em uma cida<strong>de</strong>. A lei da bala atravessava a fronteira rural e<br />
invadia a urbana.<br />
Mas não se po<strong>de</strong> dizer que o velho Jonas tenha tido somente azares na vida. Nas idas e<br />
vindas <strong>de</strong> que se constituía o viver <strong>de</strong> então, <strong>de</strong>ixou Minas Gerais, a Bahia e veio parar no <strong>Espírito</strong><br />
Santo, mais precisamente em Vila Velha, junto dos seus filhos e mais os da mulher com o<br />
primeiro marido. No ano <strong>de</strong> 1954, foi trabalhar como pa<strong>de</strong>iro em um estabelecimento da família<br />
Pignaton. Terminou, tempos <strong>de</strong>pois, no funcionalismo público. Era necessária mão <strong>de</strong> obra,<br />
mesmo pouco ou nada qualificada, no Estado que se industrializava e os Pignaton o indicaram<br />
para a então Companhia Vale do Rio Doce. Epifânio, como era chamado pelos superiores e colegas<br />
<strong>de</strong> trabalho, se especializou em explosivos. Passou a trabalhar com isso.<br />
Para quem já havia vivido tudo o que viveu, pegar dinamite todos os dias para explodir<br />
pedreiras ou abrir caminhos <strong>de</strong> estradas <strong>de</strong> ferro era mal menor. Bem menos perigoso que as<br />
jazidas <strong>de</strong> berilo, turmalina, topázio, citrino, ônix, cristal, rubi, safira, água-marinha, esmeralda<br />
ou outras pedras capazes <strong>de</strong> fazer com que hordas se movimentassem seguindo a miragem<br />
do dinheiro.<br />
Enquanto esperava pelo almoço na casa da filha formada e do genro, ele viu na pare<strong>de</strong><br />
uma foto <strong>de</strong> Sebastião Salgado. “Aquilo é Serra Pelada?”, perguntou. Era. Foi aí que começou seu<br />
relato, agora resumido. Olhou para a foto do garimpo mais famoso do Brasil como se revirasse