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Academia Espírito-santense de Letras - Instituto Sincades

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REVISTA DA ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS | 2012<br />

agradável sensação <strong>de</strong> ubiquida<strong>de</strong>” (BORGO, 1995, p. 40). Descrição <strong>de</strong>sfeita à medida que entra<br />

em cena o “tecelão” e seu olhar revelador sobre o <strong>de</strong>talhe banal.<br />

Da janela do hotel, Mazzini avista a referência inóspita, cobrindo o muro adiante. O que<br />

vem a ser risparmio? Em primeiro momento, uma palavra que contrasta sua visibilida<strong>de</strong> “em<br />

gran<strong>de</strong>s caracteres” com o <strong>de</strong>sconhecimento <strong>de</strong> seu significado. A palavra também mostra a<br />

angustiante distância entre o Mazzini ítalo-brasileiro e o idioma <strong>de</strong> seus antepassados. Aos<br />

poucos a referência colhida quase que sem intenção começa a <strong>de</strong>senrolar fios invisíveis <strong>de</strong> uma<br />

intertextualida<strong>de</strong> cinematográfica e/ou cinéfila:<br />

Sento-me na cama e sou invadido por um súbito <strong>de</strong>sconsolo. Há uma<br />

inesperada melancolia envolvendo-me como uma nevoa. Há um filme<br />

retrospectivo que se encaixa e minha cabeça sem ser convidado e que se<br />

impõe como algo inexorável. Não <strong>de</strong>mora e percebo que o tema do filme<br />

nada mais é do que referências mais ou menos diretas à minha própria<br />

circunstância (BORGO, 1995, p. 41).<br />

O filme mazziniano aponta para uma terra <strong>de</strong> outrora, on<strong>de</strong> chama a atenção o exército<br />

Brancaleone, “aquele que vai sempre para o exterior a fim <strong>de</strong> superar crises” (BORGO,<br />

1995, p. 41), mas que não consegue superar a própria crise da incomunicabilida<strong>de</strong> com<br />

sua origem. 3 Muito tempo se passou e já não é mais possível compreen<strong>de</strong>r o ancestral, é a<br />

constatação “<strong>de</strong>le” ao voltar à base <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma longa excursão pelo exterior. Pela contiguida<strong>de</strong><br />

da imagem, retorna-se ao real on<strong>de</strong> o narrador sofre a crise da perda da referência<br />

e reconhece que muito tempo se passou entre sua viagem a Itália e a Itália do tempo <strong>de</strong><br />

seus avós. Seria um fato a aceitar a incomunicabilida<strong>de</strong> do idioma ancestral figurado no<br />

termo risparmio.<br />

Ao sair do <strong>de</strong>vaneio e voltar ao quarto <strong>de</strong> hotel, Mazzini capta o <strong>de</strong>talhe <strong>de</strong> um dos móveis.<br />

É a efígie <strong>de</strong> Julio César, fragmento romano <strong>de</strong> on<strong>de</strong> surge então Shakespeare, segunda<br />

confluência a substituir o filme e sua alegoria Brancaleone. A fala <strong>de</strong> Cássio em Júlio César, a<br />

peça, adverte Mazzini a não procurar o mal nas estrelas. Fala cifrada que faz muito sentido aos<br />

leitores que souberem colher pistas na brinca<strong>de</strong>ira bio-ficcional da crônica.<br />

O texto acaba sem apontar soluções maiores ao enigma da palavra estrangeira que,<br />

em tradução literal, significa “economia”, “reserva”. Chapada em uma pare<strong>de</strong> amarela e,<br />

portanto, <strong>de</strong>slocada do contexto usual, risparmio ganha uma atmosfera lírica nas interconexões<br />

suscitadas pelo narrador. Transforma-se em obra <strong>de</strong> arte a ser compreendida com<br />

olhos também artísticos, longes do intuito <strong>de</strong> cercar as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sua interpretação.<br />

O som das letras ecoa e busca equivalências fônicas, sem se preocupar com equivalências<br />

<strong>de</strong> sentido. Risparmio é Mazzini, ou melhor, o lado profissional <strong>de</strong> Ivan Borgo, estranhado a<br />

ponto <strong>de</strong> dar vazão ao lado poético do sujeito. O termo acaba que por aludir tanto às origens<br />

conhecidas quanto às <strong>de</strong>sconhecidas do narrador/autor, transformando-se em um enigma<br />

ou uma <strong>de</strong>cifração, a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r da visão projetada na narrativa. Ficção e real assim como<br />

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