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Academia Espírito-santense de Letras - Instituto Sincades

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fância, <strong>de</strong> um convívio com a família <strong>de</strong> forte tradição italiana, da fé católica, <strong>de</strong> paixões pueris<br />

e <strong>de</strong> sentimentos duradouros.<br />

O cotidiano é relido, reinventado, guarnecido <strong>de</strong> imagens que sugerem uma urbanida<strong>de</strong><br />

tecida a partir da alma do narrador, mas que se permite experimentável graças às suas “confluências”.<br />

Na narrativa homônima, que abre Crônicas, Mazzini articula o que se po<strong>de</strong> chamar<br />

<strong>de</strong> associação imagética, recurso dos mais atraentes em sua escritura, segundo o qual a realida<strong>de</strong><br />

captada parece estar à espera <strong>de</strong> correlações, <strong>de</strong> intersemioses. Cabe ao narrador (e ao leitor)<br />

fazê-lo, tornando o texto pura experiência intertextual.<br />

Em “Confluências”, o narrador reconhece um passante <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> avançada como sendo<br />

personagem <strong>de</strong> uma antiga história <strong>de</strong> sua infância. Trata-se <strong>de</strong> o Celerado, epíteto enigmático<br />

que se mostra mais adiante um gran<strong>de</strong> símbolo a ser <strong>de</strong>cifrado por alusões e recordações em<br />

abismo:<br />

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Enquanto o observava, foram surgindo estranhas palavras em sua memória:<br />

biltre, imbecil, facínora, que afinal <strong>de</strong>ram o contorno para justificar<br />

o cognome do Celerado que ele mesmo lhe havia posto <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma<br />

<strong>de</strong>morada análise dos termos que pu<strong>de</strong>ssem ser os mais ofensivos. Envolvido<br />

por essas palavras que tinham um certo peso cabalístico, na verda<strong>de</strong><br />

viu-se transportado <strong>de</strong> Camburi para uma mansarda da rua Gama<br />

Rosa, no início dos anos quarenta. (BORGO, 1995, p. 12).<br />

O sujeito é lembrado como um rapaz <strong>de</strong> outrora, “o gran<strong>de</strong> sedutor ostentando seu bigo<strong>de</strong><br />

preto à Clark Gable e seus vinte e cinco anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, no mínimo” (BORGO,1995, p. 13). É o pivô<br />

<strong>de</strong> uma <strong>de</strong>silusão sofrida entre o narrador, com então treze anos, e sua i<strong>de</strong>alização amorosa, a<br />

Menina <strong>de</strong> Trança. É ele quem “rouba” a namorada imaginária antes mesmo <strong>de</strong> o jovem Mazzini<br />

se <strong>de</strong>clarar. Ao final, vencido e sem expectativas <strong>de</strong> viver o amor, reconhece: “Seu magro consolo<br />

foi o <strong>de</strong> recorrer ao recém-<strong>de</strong>scoberto vocabulário dos heróis das histórias em quadrinhos, dos<br />

gibis que levara para o sótão. Um vocabulário usado contra criminoso: biltre, imbecil, celerado,<br />

‘prendam esse facínora’” (BORGO, 1995, p. 13).<br />

A confluência se dá pelo fragmento urbano captado pelo olhar, um sujeito comum, tornado<br />

personagem <strong>de</strong> uma trama do passado. A ligação entre sujeito e história resi<strong>de</strong> no termo<br />

“celerado”, <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ador <strong>de</strong> outras expressões que culminam na lembrança <strong>de</strong> um vocabulário<br />

próprio da literatura <strong>de</strong> sua infância. As referências se cruzam; ficção e real per<strong>de</strong>m a marca<br />

in<strong>de</strong>lével <strong>de</strong> seus territórios. Quem sabe o sujeito nem seja o mesmo personagem da história<br />

antiga. Mas as palavras e seus intercâmbios assim o fizeram por um “conluio sistemático que<br />

os fados resolveram organizar para azucriná-lo” (BORGO, 1995, p. 14). Assim como fazem em “A<br />

palavra”, que traz Roma como ambiente <strong>de</strong> confluências.<br />

No trajeto do aeroporto até o hotel, Mazzini <strong>de</strong>ixa falar seu lado acadêmico, e a capital<br />

ganha uma <strong>de</strong>scrição sem força poética: “A civilização industrial, sabem todos, uniformizou<br />

<strong>de</strong> tal modo esses lugares que, seja em que cida<strong>de</strong> estivermos, temos sempre uma não muito

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