Academia Espírito-santense de Letras - Instituto Sincades
Academia Espírito-santense de Letras - Instituto Sincades
Academia Espírito-santense de Letras - Instituto Sincades
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
<strong>de</strong>cifração e velamento são faces anversas da poética mazziniana. E o narrador brinca com<br />
elas com uma liberda<strong>de</strong> que confere aos seus textos um jogo intertextual alheio aos limites<br />
do que po<strong>de</strong> ser literatura.<br />
A adoção do gênero crônica parece reafirmar a busca <strong>de</strong> uma liberda<strong>de</strong> narrativa <strong>de</strong><br />
or<strong>de</strong>m lírica. Sobretudo quando se associa aos textos a i<strong>de</strong>ia que o autor faz da crônica. Para<br />
Borgo, trata-se <strong>de</strong> um tipo <strong>de</strong> escrita que prescin<strong>de</strong> <strong>de</strong> um fim bem marcado, como ocorre nos<br />
contos. Além disso, a crônica traz estreito contato com a realida<strong>de</strong>, coisa que Borgo aprecia muito.<br />
Ao fazer um texto repleto <strong>de</strong> interferências <strong>de</strong> outros discursos, o autor não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>sprezar<br />
as narrativas que compõem o chamado real. Em algumas crônicas, o uso do texto histórico<br />
dá um sabor a mais aos relatos. Exemplo disso é “Cafés/livrarias”, on<strong>de</strong> Mazzini conta o auge<br />
dos espaços cafés surgidos na Europa, a vida intelectual mantida neles e sua substituição na<br />
contemporaneida<strong>de</strong> por dois outros espaços: as lanchonetes e as livrarias.<br />
Mazzini faz questão <strong>de</strong> nomear esses centros <strong>de</strong> vivência na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Vitória, inventariando<br />
junto seus amigos, gran<strong>de</strong>s nomes da literatura e artes do estado. Vale à pena citar um<br />
trecho que, frise-se, amostra uma parcela das referências feitas:<br />
| 54<br />
Faço questão <strong>de</strong> nomear aqui esses perigosos subversivos. Ao grupo<br />
inicial da Logos, que já comemorou <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> existência, pertenceram<br />
João Bonino Moreira e Sérgio Bechara. Depois vieram Victor Biasutti,<br />
Francisco Grijó, Carlos Campos Jr., Renato Pacheco, Ivantir Borgo,<br />
Hormízio Muniz, Luiz Guilherme Santos Neves, Getulio Marcos Pereira<br />
Neves, Fernando Achiamé, José Neves, Henrique Herkenhoff, Léa Brígida<br />
Rocha <strong>de</strong> Alvarenga Rosa, Pedro J. Nunes, Michel Minassa Jr., Luiz Romero<br />
<strong>de</strong> Oliveira” (BORGO, 2003, p. 136-137).<br />
Além <strong>de</strong> explicitar a vida intelectual da capital capixaba, Mazzini realiza uma ligação<br />
quase que inusitada <strong>de</strong> nossa cida<strong>de</strong> com o resto do mundo, ao criar contiguida<strong>de</strong> entre o pensamento<br />
dos cafés franceses com uma livraria local. Por assim dizer, Mazzini torna visível um<br />
lado até então invisível <strong>de</strong> Vitória. Ele mostra que o espaço urbano é híbrido, cabendo ao narrador<br />
da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>senhar em palavras os recantos on<strong>de</strong> o imaginário coletivo acessa com menos<br />
força. Se para muitos, Vitória não passa <strong>de</strong> uma província, talvez seja porque faltam narrativas<br />
que suplementem a cida<strong>de</strong>, formando uma experiência urbana mais plural.<br />
É importante lembrar o papel do narrador como aquele que salienta o hibridismo<br />
urbano, entendido na forma <strong>de</strong> múltiplas culturas que ocupam um mesmo espaço. Os diversos<br />
canais <strong>de</strong> informação — com <strong>de</strong>staque especial ao papel da mídia — dão conta <strong>de</strong><br />
multiplicar ainda mais os sentidos e experiências urbanos. Tudo converge para a criação <strong>de</strong><br />
narrativas individuais e coletivas, formadoras <strong>de</strong> uma percepção fictícia (no sentido lúdico<br />
do termo). A cida<strong>de</strong> conta com um patrimônio histórico visível e material, mas nele encontra-se<br />
latente outro patrimônio, chamado por Néstor García Canclini <strong>de</strong> “patrimônio invisível<br />
e intangível”: