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as construções acerca do corpo feminino, das diferenças sexuais e a própria constituição do
novo campo, conhecido como a ciência da mulher, emergem marcadas por um prévio ideal
social referido ao papel da mulher na sociedade. Parafraseando Gombrich (1986 apud
MARTINS, 2004, p.29), não há olhar puro sobre a realidade, ela é observada através de lentes
ou esquemas conceituais. Portanto, as representações de formas desconhecidas obedecem
sempre a um desejo de conformar as formas novas aos quadros conceituais de quem vai
descrevê-las.
Permanece evidente, a necessidade de atentarmos para o fato da naturalização das
representações instituídas, que em grande parte vêm carregadas de conteúdos ideológicos, que
neste caso, insistem em associar a mulher ao domínio da natureza/biologia. Tais
naturalizações acabam por encobertar hierarquias, desigualdades e um longo processo onde os
homens tomaram para si o domínio da construção científica, legitimando sua visão e
imaginário sobre a natureza, a mulher e sua submissão.
Entrecortando esta discussão, Ilana Lowy (2003) propõe uma interessante abordagem
das questões relativas à naturalização e universalização da ciência, ao levantar o debate sobre
as categorias sexo e gênero. A autora trabalha com as categorias binárias socialmente
construídas sobre o sexo e nos oferece uma série de casos em que este modelo binário é posto
em xeque. Os corpos deixam de constituírem-se como realidades pré discursivas, isentos de
ideologia.
Na tentativa de desconstruir o ciclo vicioso que cientificamente aprisiona as mulheres
em seus corpos reprodutivos, Ilana Lowy, assim como a supracitada Ana Paula Vosne
Martins, recorre à história para desvendar as origens deste modelo de ciência. Enfoca o século
XIX, auge da medicina biológica que identifica no corpo o reduto das diferenças sexuais. Em
meio a um contexto em que o corpo torna-se fundamental para a definição da identidade, os
casos de crianças que nascem sem sexo determinado ocasionam problemas, já que
permanecem sem lugar no modelo do corpo natural onde cada ser deve carregar apenas um
sexo bem definido. A autora revela, então, a existência de uma enorme variedade de técnicas
de intervenção médica que visam corrigir os “defeitos” biológicos de crianças intersex.
O fato da existência dessas crianças sem sexo definido e do interesse no
desenvolvimento de técnicas corretivas parecem colocar a prova o modelo do sexo dual. A
presença de nuances entre os dois pólos, mulher e homem, aponta claramente para o fato de a
categoria sexo ser uma categoria classificatória socialmente construída. Não se constitui,
portanto, como universal ou fixa, deixando escapar um sem número de casos que fogem ao
padrão da diferença radical entre os dois sexos. Por meio destes exemplos, brilhantemente
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