You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
102<br />
por barreiras de arame farpado. Entre as duas torres de observação<br />
principais, havia uma placa sinistra que dizia KONZENTRATIONS-<br />
LAGER FALKENAU.<br />
Ainda havia alguns SS ferrenhos no campo que não sabiam<br />
que a guerra tinha acabado. Eles atiraram contra nosso grupo e<br />
depois tentaram fugir num carro de comando. Um de nossos soldados<br />
acertou o carro com um tiro de bazuca, sentenciando a fuga<br />
num cogumelo flamejante de fogo e fumaça. Atacamos os nazistas<br />
remanescentes e os desarmamos. E, então, descobrimos a verdade<br />
terrível sobre o campo. Nas barracas, estavam homens e mulheres<br />
com olhos ocos, incapazes de mexer seus corpos esqueléticos. Eles<br />
foram torturados, surrados e serviram de cobaias. Em outro prédio,<br />
havia cadáveres jogados uns em cima dos outros como jornais velhos.<br />
Alguns deles ainda nem eram cadáveres. Como zumbis, eles levantavam<br />
suas cabeças raspadas e nos olhavam, com os olhos afundados<br />
em aflição, boquiabertos, eventualmente estendendo a mão,<br />
tentando apalpar alguma coisa, implorando por ajuda em silêncio<br />
desamparado.<br />
O que tinha acontecido naquele campo de concentração era impossível<br />
de acreditar, ia além de nossos mais horríveis pesadelos.<br />
Estávamos nos sentindo esmagados por presenciar face a face toda<br />
essa carnificina. Ainda tremo ao me lembrar daquelas imagens dos<br />
vivos agachados com os mortos. O fedor dos corpos em decomposição<br />
jorrava até seu rosto e fazia você querer parar de respirar.<br />
Num dos prédios, nós nos escondemos atrás de um montinho branco<br />
para nos proteger de algum defensor nazista tardio. Foi só então<br />
que eu percebi que o montinho era um amontoado de dentes humanos<br />
retirados das vítimas do campo. Um pouco mais distante havia<br />
amontoados de escovas de dentes, óculos e escovas de barba. Ainda<br />
mais estarrecedor era uma pequena colina de membros humanos<br />
artificiais. Numa cabana colada a uma das paredes do campo, havia<br />
uma pilha de cadáveres nus empilhados como lenha.<br />
Uma última visão do horror esperava por nós: o crematório.<br />
Quando irrompemos naquela construção, a fumaça das granadas<br />
que tínhamos jogado pela janela ainda preenchia o salão. Estava tudo<br />
silencioso agora. A fila de portas de aço que conduzia aos fornos<br />
alongava-se à nossa frente. Olhei para os fornos e então examinei o<br />
primeiro deles. Quando eu vi os restos dos corpos lá cremados, eu<br />
não consegui controlar minha repulsa. Vomitei. Eu queria sair dali<br />
a todo custo, mas eu não conseguia me impedir de olhar o segundo<br />
forno, e depois o terceiro, hipnotizado pelo impossível. Pelo amor<br />
de Cristo, as pessoas tinham realmente sido cozinhadas naqueles<br />
fornos! A prova incontroversa estava ali em frente, diante de meus<br />
próprios olhos.<br />
Um de nossos soldados, um alistado que afetivamente chamávamos<br />
de Weasel, foi olhar o quarto forno. Olhando de volta para<br />
Weasel estavam os olhos assustados de um SS que rastejou para lá<br />
para se esconder entre os cadáveres carbonizados. A Schmeisser<br />
nas mãos do nazista era inútil, pois ele estava congelado de medo.<br />
Desde o treinamento básico até a guerra, Weasel sempre teve um<br />
problema com matar. Apertar o gatilho de sua M1 era a coisa mais<br />
difícil do mundo. Naquele momento, entretanto, ele estava tão dominado<br />
pela repugnância que ele atirou à queima-roupa entre os olhos<br />
do SS. Novamente e mais uma vez, ele apertou o gatilho, esvaziando<br />
seu clipe. Depois ele carregou outro clipe e esvaziou esse outro também.<br />
Sem palavras, nós caminhamos para fora do crematório tão<br />
retesados quanto múmias, pressionando lenços contra nossas bocas<br />
e narizes, tentando processar o fedor e a repulsa.<br />
A descoberta do que a SS estava fazendo com os presos do campo<br />
de Falkenau era coisa demais para tolerar. Encontramos fotografias<br />
de mulheres nuas perseguidas por cães ferozes passando<br />
por guardas sorridentes da SS. Eram assassinos perversos, matando<br />
civis inocentes, uma trágica mistura de judeus, tchecos, poloneses,<br />
russos, ciganos e alemães antifascistas.<br />
Os soldados da SS que nós organizamos em forma de círculo<br />
imediatamente começaram a denunciar um ao outro. Na derrota,<br />
toda a mentalidade nazista – sua grande filosofia de coragem, lealdade<br />
e superioridade ariana – virou mingau. Eu raramente vi soldados<br />
se comportarem daquela maneira. Se apenas Hitler pudesse<br />
estar lá para observar seus amados SS denunciarem uns aos outros.<br />
Goebbels recusou-se a apertar a mão de Jesse Owens nas Olimpíadas<br />
de 1936 porque sua super-raça era superior. Como eu gostaria<br />
que Goebbels visse sua super-raça derrotada, lívida de medo, pronta<br />
para entregar Hitler e o soldado ao lado. Eles agiam como animais<br />
acossados e indóceis.<br />
Os médicos chegaram logo em seguida com comida, remédios<br />
e sangue, tentando salvar quantas vidas fossem possíveis. Nós voltamos<br />
às barracas cheias de ocupantes subnutridos e separamos os<br />
103