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1<br />

Charles Foster Kane e Hank<br />

Quinlan, protagonistas<br />

respectivamente de Cidadão<br />

Kane (Citizen Kane, 1941) e<br />

A Marca da Maldade (Touch<br />

of Evil, 1958), ambos<br />

dirigidos por Orson Welles.<br />

36<br />

Bravos. Entretanto, uma nova geração de diretores americanos examinou<br />

as contradições e tensões entre essas duas visões da energia.<br />

Em Região do Ódio e em Um Certo Capitão Lockhart, (respectivamente<br />

The Far Country, 1954, e The Man From Laramie, 1955,<br />

ambos protagonizados por James Stewart) Anthony Mann mostra<br />

a luta entre energia destrutiva e criativa na sociedade e dentro do<br />

próprio indivíduo. James Stewart é levado contra sua vontade a recorrer<br />

à violência, a usar a energia destrutiva em defesa da criativa.<br />

Welles examina em todas as suas obras a maneira com que a energia<br />

se corrompe: Kane, o interessante jovem idealista, torna-se um velho<br />

solitário sedento de poder; Quinlan é impelido cada vez mais ao<br />

olho do furacão por seu sucesso como detetive 1 . Em Kazan e em Ray,<br />

a energia se transforma em neurose pura: Kowalski em Uma Rua<br />

Chamada Pecado (A Streetcar Named Desire, 1951), James Dean<br />

atirando fora o gelo do depósito em Vidas Amargas (East of Eden,<br />

1955), o racha na Juventude Transviada (Rebel Without a Cause,<br />

1955) de Ray. Para se observar a mudança de postura com relação<br />

à energia, é comparar Wayne no papel do típico protagonista de<br />

Hawks ou Ford com Brando e Dean.<br />

Fuller consegue encerrar essas contradições em uma única<br />

obra. Ele festeja a energia como a verdade última porque “a própria<br />

vida não passa de movimento” e, com efeito, celebra-a especialmente<br />

por se tratar de energia inútil, condenada. É o homem tentando<br />

evitar a morte, mas esta sempre vence. O mercenário de No Umbral<br />

da China (China Gate, 1957): “Essa vida foi feita para mim, mas eu<br />

tenho que morrer para vivê-la”; Zack, dirigindo-se ao norte-coreano:<br />

“Se você morrer, eu te mato”; Moe, em Anjo do Mal (Pickup on<br />

South Street, 1953): “Se me enterrassem na vala comum, eu morreria.”<br />

O pessimismo da visão de Fuller é demonstrado por Moe, a<br />

personagem por quem ele claramente sente mais afeição e respeito,<br />

cuja razão de viver se resume a economizar o bastante para pagar<br />

um enterro decente.<br />

Em Fuller, as imagens da energia são os pés. Luc Moullet chamou<br />

a atenção na Cahiers para a obsessão do diretor por pés; Fuller<br />

riu e mandou-lhe um pezão de borracha. Mas não deixa de ser<br />

verdade que o pé desempenha um papel importante no cinema de<br />

Fuller, talvez por ele ter sido da infantaria. Como diz Rock em Baionetas<br />

Caladas (Fixed Bayonets, 1951): “Você só precisa se preocupar<br />

com três coisas: seu rifle e seus dois pés.” A fala é dita pouco antes<br />

da sequência em que os soldados massageiam os pés uns dos outros<br />

para evitar o congelamento. Rock percebe que está com um pé<br />

dormente, e a sequência termina com um close-up no rapaz batendo<br />

com os pés descalços no chão para fazer o sangue circular, um<br />

símbolo de sua vontade de sobreviver. Mais ao fim do filme, Denno<br />

caminha pelo campo minado para salvar o sargento ferido – o close<br />

-up nas botas tateando a neve, que perigam explodi-lo cada vez que<br />

ele pisa, não só envolve a audiência na tensão da cena, como também<br />

sugere de forma vívida a força de vontade que ele está empenhando.<br />

É significativo que essa força de vontade seja autocentrada, pois,<br />

no filme, ela é inútil. O sargento já está morto quando ele consegue<br />

levá-lo de volta.<br />

Mortos Que Caminham é construído em torno do princípio de<br />

energia pura. Quando o médico da unidade lhe diz que seus homens<br />

não podem continuar por estarem sofrendo de ADT – acúmulo de<br />

tudo –, Merrill responde: “Não é nada, é só pôr um pé na frente<br />

do outro.” As personagens seguem adiante, em uma obstinação em<br />

sobreviver que, dada a evidência, é totalmente irracional. Os marauders<br />

de Merrill, embora ponham um pé na frente do outro, se veem<br />

diante do cadáver do próprio Merrill, com o rosto numa poça, cercado<br />

de alguns sobreviventes gravemente feridos, e não chegam nem<br />

a alcançar seu objetivo. Parte da crítica implícita de Fuller à guerra é<br />

que ela faz com que muita energia seja desperdiçada.<br />

Não creio, como sugere Victor Perkins, que Fuller esteja tentando<br />

equiparar resiliência física à resiliência moral. Fuller usa a resiliência<br />

ou energia física como símbolo para os impulsos irracionais<br />

que motivam o homem. Assim, em Renegando o Meu Sangue, as<br />

imagens do pé ensanguentado de O’Meara atravessando as pedras<br />

e os espinhos simbolizam a urgência do seu desejo de conseguir ir<br />

embora dos Estados Unidos, desejo esse que inevitavelmente será<br />

frustrado, como o seu desejo de fugir de Lobo Louco. (Coiote Andante<br />

dissera-lhe que ninguém nunca havia sobrevivido à Corrida.)<br />

Os heróis de Fuller encaram a vida com uma espécie de insolência<br />

condenada. São encarnações permanentes de frustrações poderosas,<br />

simbolizadas pelo punho cerrado de Tolly Devlin em A Lei<br />

dos Marginais (Underworld U.S.A, 1961). A energia de Tolly é totalmente<br />

obsessiva: toda a sua vida é dedicada a vingar a morte do pai<br />

pessoalmente – como sempre em Fuller, a ênfase vai no pessoal. O<br />

assassinato do pai é retratado como um jogo de sombras enormes,<br />

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