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A Dama de Preto<br />
Park Row<br />
1952, 35mm, 83 min, 1.37 : 1<br />
Direção: Samuel Fuller<br />
roteiro: Samuel Fuller<br />
Fotografia: John L. Russell<br />
Montagem: Philip Cahn<br />
Música: Paul Dunlap<br />
Produção: Samuel Fuller<br />
Companhia Produtora: Samuel Fuller Productions<br />
elenco: Gene Evans, Mary Welch, Bela Kovacs, Herbert Heyes,<br />
Tina Pine, George O’Hanlon, J.M. Kerrigan, Forrest Taylor, Don<br />
Orlando, Neyle Morrow, Dick Elliot<br />
Classificação Indicativa: 16 anos<br />
No final do século XIX, um jornalista consegue abrir seu próprio<br />
jornal e logo se transforma num grande sucesso. A herdeira de um<br />
dos maiores jornais da cidade começa uma forte oposição contra ele.<br />
“Único filme que produzi com minha<br />
própria grana”, A Dama de Preto é Samuel<br />
Fuller em seu modo mais confessional, apaixonado,<br />
livre e idealista. Não era um filme<br />
que ele queria fazer, era o filme que ele tinha<br />
que fazer, e assim o filme está inteiramente<br />
impregnado de todos os altos ideais<br />
de Fuller para mitigar através do cinema a<br />
carreira que ele queria ter e não teve (ao menos<br />
não diretamente), a de um editor-chefe.<br />
Aqui Fuller entrega-se ao máximo de<br />
seu lirismo enfático, à poesia feita à base<br />
de pontos de exclamação (nenhum outro<br />
grande diretor teve dois de seus filmes com<br />
títulos exclamativos), à mistura desbragada<br />
entre história do jornalismo, guerra de<br />
ímpetos, canto de louvor e história de amor<br />
frustrado. Mas tudo que o filme tem de malresolvido<br />
– em especial a “dama de preto”,<br />
entre a literalidade de personagem e a simbologia<br />
de um patamar histórico – ele tem<br />
de magistral na linguagem visual e nos arroubos<br />
emotivos.<br />
Não tendo nenhum produtor para podar<br />
suas ideias mais extravagantes, Fuller<br />
faz aqui um dos planos-sequência mais geniais<br />
da história do cinema, ao acompanhar<br />
Phineas Mitchell do bar à rua – onde acontecem<br />
três brigas de socos e pontapés – ao<br />
escritório do jornal adversário, The Star, e<br />
em seguida, às instalações destruídas de seu<br />
próprio jornal, The Globe. Os movimentos<br />
bruscos de câmera, o dinamismo provocado<br />
pelas variações de ângulo e, sobretudo, os<br />
solavancos de uma câmera colada ao corpo<br />
do operador de câmera conseguem traduzir<br />
visualmente uma quase táctil sensação de<br />
ira, injustiça e pura energia cinética, tudo<br />
isso em velocidade atordoante.<br />
A Dama de Preto, pelo caráter factual<br />
do “estive lá” – Fuller foi menino de entregas,<br />
arquivista e repórter policial em Park Row,<br />
embora o filme seja ambientado algumas décadas<br />
antes do pequeno Sammy ter lá posto<br />
o pé – e pelo senso de obrigação inigualado<br />
nos outros filmes em “fazer passar a mensagem”,<br />
ilustra perfeitamente a fórmula de<br />
Serge Daney segundo a qual Fuller é sempre,<br />
e ao mesmo tempo, “um correspondente de<br />
guerra e um educador louco”. A relação desse<br />
filme com a história do jornalismo americano<br />
ajuda a compreender a loucura da pedagogia<br />
fulleriana: o que precisa ser ensinado<br />
é a bravura dos homens, é a obstinação, o<br />
ímpeto pela inovação, pelo desbravamento e<br />
pela verdade intensiva – coisas que, no plano<br />
visual, seus filmes mais que traduzem: suscitam.<br />
O que no plano estilístico significa:<br />
invenção à frente das normas, e em se tratando<br />
do cinema narrativo americano, o conflito<br />
é fascinante. A Dama de Preto termina<br />
como uma matéria de jornal, com “Thirty” ao<br />
invés de “The End”, e, mantendo a metáfora,<br />
é óbvio que o subgênero é o panfleto, com a<br />
implícita tomada de posição, as cores excessivas<br />
e nenhum distanciamento.<br />
Ruy Gardnier<br />
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