Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
216<br />
Dead Pigeon<br />
on Beethoven<br />
Street<br />
1973, 35 mm, 102 min, 1.33 : 1<br />
Direção: Samuel Fuller<br />
roteiro: Samuel Fuller<br />
Fotografia: Jerzy Lipman<br />
Montagem: Liesgret Schmitt-Klink<br />
Música: The Can<br />
Produção: Joachim von Mengershausen<br />
Companhia Produtora: Bavaria Atelier, Bavaria Film, Chrisam<br />
Productions, e Westdeutscher Rundfunk (WDR)<br />
elenco: Glenn Corbett, Christa Lang, Sieghardt Rupp, Anton Diffring,<br />
Stéphane Audran, Eric P. Caspar, William Ray, Alexander<br />
D’Arcy, Anthony Chinn e Verena Reichel.<br />
Um detetive americano é assassinado na Alemanha por uma<br />
gangue internacional. Seus amigos querem vingança. O filme é na<br />
verdade um episódio para uma série policial alemã.<br />
Dead Pigeon on Beethoven Street começa<br />
com um pombo morto na Rua Beethoven<br />
e termina com uma perseguição<br />
pastelão. Assim como os outros filmes que<br />
Samuel Fuller realizou na Europa, há uma<br />
autoconsciência aqui do que seria “um filme<br />
de Samuel Fuller”, que lembra um pouco os<br />
filmes que Howard Hawks realizou nos anos<br />
60, e, a certa altura, o protagonista até assiste<br />
a uma versão dublada de Onde Começa<br />
o Inferno (Rio Bravo, 1959), como que<br />
para reforçar essa conexão. Se Fuller foi o<br />
mais político dos cineastas da sua geração,<br />
tirá-lo da América significa fazer com que<br />
seus filmes operem sem centro, permitindo<br />
que, por vezes, os vários gracejos fullerianos<br />
eternizados pelos seus imitadores existam<br />
quase num universo à parte. Se esse clima de<br />
pastiche atrapalha um pouco os filmes posteriores<br />
a Cão Branco, ele se encaixa com<br />
perfeição aqui. Dead Pigeon on Bethoeven<br />
Street é o único filme de Fuller dos anos 70<br />
e trata da sua resposta ao cinema americano<br />
do período, completo com Stéphane Audran<br />
a interpretar uma lésbica identificada como<br />
Dra. Bogdanovich. Na superfície, encontramos<br />
a mesma cinefilia que anima vários dos<br />
neo-noirs do período, mas o desespero<br />
aqui é genuíno, e não, emprestado de outros<br />
livros e filmes. Dead Pigeon on Beethoven<br />
Street não é um filme exatamente<br />
sem centro, mas um filme sobre perder um<br />
centro – não surpreende que alguns dos seus<br />
momentos mais marcantes sejam aqueles<br />
em que se reforça a ideia de exílio –, sua intriga<br />
política é expurgada por uma anarquia<br />
trágica. No final termina-se na sarjeta, não<br />
sobre a chave do fatalismo pretensamente<br />
adulto dos seus pares, mas com a certeza<br />
de que se é vitima de uma piada cósmica<br />
perversa. A impotência sugerida pelo filme<br />
lembra muito a que encontramos em vários<br />
filmes do nosso Cinema Marginal. Nas sequências<br />
finais, quando o pior detetive da<br />
história do cinema tem a chance de se vingar<br />
num duelo de espadas – Fuller acredita<br />
na ideia de que a soma do cinema de ação<br />
americano viril com a sensibilidade europeia<br />
resulta em farsa – e, por fim, escapa numa<br />
fuga digna de comédia muda, já não resta<br />
nada para além de uma risada impotente e<br />
desesperada.<br />
Filipe Furtado<br />
217