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a barba, isso me deu outra ideia: alimentá-los. Então uma senhora<br />
chega e oferece arroz ao soldado norte-americano, que, como<br />
você sabe, é o soldado mais bem alimentado do mundo. Quando<br />
Akins [sargento Kolowicz] percebe a idiotia e a estupidez, a ironia<br />
e a vergonha, de que ele, um homem grande, corpulento e bem<br />
alimentado, estava recebendo comida de uma velhinha magricela,<br />
ele começa a chorar. Isso, para mim, é mais importante que qualquer<br />
outra coisa no filme.<br />
P: O filme terminou de modo estranho, antes que fosse resolvido.<br />
r: O final foi um fracasso. O filme ia terminar originalmente com<br />
o aeroporto sendo tomado. Seria um desfecho com muita ação.<br />
Eles decidiram não filmá-lo por duas razões, as duas envolvendo<br />
dinheiro. Então eu disse: “Tudo bem. Tudo o que me resta é<br />
terminar o filme no momento em que eles andam e dar um fade<br />
out.” Alguém se adiantou e colocou não apenas uma narração ali,<br />
mas também imagens de arquivo de soldados marchando. Bem,<br />
isso foi coisa deles.<br />
PaIxões que aluCInaM<br />
r: Não sei há quantos anos queria fazer um filme expondo as condições<br />
em manicômios nos Estados Unidos. Então eu decidi que<br />
o faria como ficção, em vez de um documentário denunciando<br />
a situação. Disse: “Que se dane. Consigo dar uma de Nellie Bly!”<br />
Nellie Bly, como você sabe, fingiu ser uma maluca por um tempo<br />
no hospício da Wards Island muitos anos atrás. Então pensei em<br />
dramatizar a história de um homem que vai para um manicômio<br />
a fim de resolver um caso de assassinato e acaba louco. Fico feliz<br />
que não tenha feito o filme assim que pensei na ideia. Mesmo que<br />
a história tivesse sido a mesma, não seria tão atual: a combinação<br />
Oppenheimer-Einstein-Teller, a tremenda situação que envolve<br />
[James] Meredith, e os vira-casacas da Coreia. Então coloquei<br />
tudo isso junto e modernizei, o resultado foi Paixões que Alucinam<br />
(Shock Corridor, 1963).<br />
Gostei de ter feito esse filme. Gostei da ideia de usar cor antes<br />
de um homem ficar lúcido. Quando ele está em desvario e<br />
pensando em alguma coisa, assim que vemos a cor, sabemos que<br />
logo depois ele voltará a ser racional por alguns instantes. Então<br />
cada pessoa tinha suas próprias visões. Para o soldado sulista, eu<br />
usei muita coisa que filmei com minha própria câmera no Japão,<br />
quando pesquisei locações para Casa de Bambu. Foi o que usei<br />
para o pesadelo dele. Eu tenho uns oito mil pés de filme rodados<br />
em Mato Grosso. Fui lá uma vez para achar locações, e vivi com<br />
a tribo dos Carajás por seis ou sete semanas. Usei isso para o pesadelo<br />
do negro. No pesadelo de Peter Breck no final, a cachoeira<br />
faz parte das Cataratas do Iguaçu, em Mato Grosso. Filmei tudo<br />
isso em Cinemascope e em 16mm. Não tinha nada em 35mm, daí<br />
tive que fazer a ampliação de negativo de 16mm para 35mm. E lá<br />
estavam elas, dando um efeito maluco sem qualquer esforço meu.<br />
P: Há alguma razão para que o dr. Boden [Gene Barry] não tenha um<br />
pesadelo visual, e sim um auditivo?<br />
r: Ah, foi intencional. Não sei bem por quê, mas quando penso em<br />
laboratórios, Oppenheimer e tal, me dá alguma coisa. Vejo edifícios<br />
e grandes cômodos, câmaras vazias, buracos minúsculos, e<br />
vozes saindo deles. Tipo “Dr. Fulano, você poderia comparecer a<br />
tal lugar.” Não vejo telefones. Apenas interfones. Uma coisa estranha,<br />
grande, meio ficção científica — era isso que eu queria.<br />
Também queria algo que afastasse Boden dos outros: vozes e,<br />
mais importante, a frieza delas.<br />
P: O grande tour de force é claramente a cena da tempestade com<br />
raios e trovões no corredor. Você poderia falar mais sobre como<br />
a filmou?<br />
r: Claro! Eu achei que seria original mostrar uma tempestade como<br />
se ela estivesse acontecendo bem ali naquele lugar. Eu precisei<br />
de muita água. Você deve entender que aquilo era uma situação<br />
perigosa, porque não havia lugar para que a água escoasse naquele<br />
palco sonoro em particular. Você tem que ter um tanque<br />
subterrâneo para a drenagem. Do contrário, você pode destruir<br />
muitos equipamentos.<br />
Não tínhamos nada disso, mas fizemos mesmo assim, porque<br />
sabia que seria o último dia de filmagem. Eu precisava de<br />
que desse certo na primeira tomada. Para me assegurar disso,<br />
eu tinha uma câmera normal no [Peter] Breck e uma segunda<br />
posicionada acima dela, inclinada para baixo e filmando em<br />
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