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1<br />

Anjo do Mal foi banido<br />

na França por sua<br />

representação dos<br />

comunistas, e No Umbral<br />

da China, que se passa<br />

na Guerra Vietnamita,<br />

por sua representação<br />

dos franceses; Proibido!<br />

(Verboten!, 1958) ainda<br />

não tinha sido visto na<br />

França. Quando Anjo do<br />

Mal foi finalmente liberado<br />

na França, em 1961, foi<br />

numa versão dublada<br />

chamada Le port de la<br />

drogue (literalmente O Porto<br />

da Droga) na qual toda<br />

história referente ao roubo<br />

de segredos de Estado<br />

americanos por comunistas<br />

tinha sido transformada em<br />

uma trama sobre o tráfico<br />

de drogas, uma alteração<br />

cuja facilidade com que<br />

se realizou foi tomada<br />

para validar o ponto de<br />

vista de Moullet sobre a<br />

representação abstrata do<br />

inimigo. Anjo do Mal foi<br />

criticado por Moullet em<br />

Cahiers du Cinéma nº 121,<br />

Julho de 1961, e Proibido!<br />

em Cahiers du Cinéma nº<br />

108, Junho de 1960 [n.d.t.].<br />

16<br />

Fascismo de gestos mais que de intenções. Pois não nos parece<br />

que Fuller seja exatamente um especialista em política. Se ele<br />

se proclama de extrema-direita, não seria para mascarar, sob uma<br />

fachada exterior mais convencional, um ponto de vista moral e estético<br />

pertencente a um domínio marginal pouco apreciado?<br />

Fuller anticomunista? Não precisamente. Pois Fuller confunde,<br />

em parte, indubitavelmente por motivos comerciais, comunismo e<br />

gangsterismo, comunismo e nazismo. Ele imagina os representantes<br />

de Moscou, a respeito dos quais é completamente ignorante, a partir<br />

do que conhece, por sua própria experiência, dos nazistas e dos<br />

gângsteres. Não esqueçamos que Fuller só fala daquilo que conhece.<br />

Quando pinta o inimigo (e em Capacete de Aço, Baionetas Caladas<br />

e Tormenta Sob os Mares, ele se arranja geralmente para passar<br />

silenciosamente por esse aspecto), é um inimigo muito abstrato, extremamente<br />

convencional. Apenas o diálogo se encarrega de meter<br />

os pingos nos is, e é lamentável que Anjo do Mal (Pickup on South<br />

Street, 1953) e No Umbral da China (China Gate, 1957) nos sejam<br />

verboten por um motivo tão pouco fundamentado.<br />

A moral é uma questão de travellings. Esses pequenos detalhes<br />

não derivam em nada do modo pelo qual são expressos, muito menos<br />

de sua qualidade de expressão, que aliás os desmente com frequência.<br />

Seria totalmente estúpido tomar esse filme tão rico por uma defesa<br />

pró-indígena ou racista, assim como seria estúpido tomar Delmer Daves<br />

por um corajoso cineasta antirracista só porque, a cada contrato<br />

assinado, uma cláusula estipula a presença em seus filmes de relações<br />

amorosas entre seres de raças diferentes. O público inadvertido não<br />

se deu conta de nada, e é sempre o público que tem razão.<br />

uM CIneMa MODernO<br />

A câmera se desloca pela esquerda, num plano baixo de um<br />

campo de milho com admiráveis tons de amarelos intensos, recoberto<br />

de cadáveres de soldados em uniformes sujos e escuros,<br />

alinhados nas mais curiosas posições; depois se eleva para enquadrar<br />

Meeker, adormecido em sua montaria, num estado lamentável.<br />

Sobre um fundo de fumaça negra extremamente densa, destaca-se<br />

Steiger, tão sujo quanto o outro, mas vestido de camponês. Ele atira<br />

em Meeker, vasculha sua vítima, descobre comida em seus bolsos,<br />

instala-se sobre o corpo para comer o que achara; percebendo que<br />

carrega um pouco de pão também, ele o pega; acende um cigarro.<br />

Meeker começa a reclamar incomodado, Steiger se afasta um pouco<br />

para longe. Close em Steiger, que masca e fuma. Então, em imensas<br />

letras vermelhas, se inscreve em sua fronte e sobre o seu queixo o<br />

título do filme. É a primeira vez que os créditos aparecem sobre o<br />

rosto de um homem, e de um homem prestes a comer. Essa sequência,<br />

digna de uma antologia do cinema moderno, já revela algumas<br />

das qualidades mestras do nosso cineasta.<br />

1º O senso poético do movimento de câmera. Em muitos cineastas<br />

ambiciosos, os movimentos de câmera dependem da composição<br />

dramática. Jamais isso se dá em Fuller, onde sua gratuidade é felizmente<br />

total: é em função do poder de emoção do movimento que se<br />

ordena a cena. Assim, ao final de Capacete de Aço, é o caso deste<br />

lento deslocamento da câmera, no qual, sob o fogo ardente das descargas<br />

das metralhadoras, desabam, segundo um ritmo musical, os<br />

inimigos. Baionetas Caladas formiga de longuíssimos travellings<br />

circulares de 360°, e em igual medida de closes os quais, ao espocar<br />

de rosto em rosto, são impregnados de um ritmo fascinante.<br />

2º Um humor fundado sobre a ambiguidade. Aqui, o contraste<br />

entre o corpo de Meeker agonizante e a impassibilidade de um<br />

Steiger esfomeado. Mais adiante, num impressionante close, veremos<br />

um camponês do Sul transbordar em canções a força do seu<br />

ódio contra os ianques. Juntemos a isso algumas reflexões picantes<br />

sobre a Constituição dos Estados Unidos. Walking Coyote confessa<br />

que não buscou se tornar chefe de sua tribo, pois a política o enoja.<br />

Indignado com a possibilidade de que o enforquem, ele exclama:<br />

“Ah! Que tempos! Na minha época, isto não era assim. Hoje, não há<br />

mais moral. Os jovens massacram os velhos, matam, embriagamse,<br />

estupram”. Réplica que poderia muito bem figurar em Os Trapaceiros<br />

(Les Tricheurs, Marcel Carné, 1958) ou em qualquer filme<br />

americano sociológico, mas que colocada na boca de um Sioux de<br />

1865, nos mata de rir. Em cada diálogo, Fuller se diverte em nos<br />

desconcertar; ele dá a impressão de esposar todos os pontos de<br />

vista, e é isso que torna seu humor sublime. Cada cena de amor (a<br />

das sobrancelhas em Casa de Bambu, a da tatuagem e da bofetada<br />

em Tormenta Sob os Mares, onde encontramos também uma<br />

admirável paródia do poliglotismo do jargão comercial) enriquece<br />

um motivo extremamente banal por meio de um texto cheio de<br />

verve e de originalidade.<br />

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