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P: A sequência de abertura, em que Towers surra o cafetão enquanto<br />
sua peruca cai, é estonteante. A plateia sofre uma agressão antes<br />
mesmo da aparição dos créditos iniciais.<br />
r: Isso surpreendeu você, esse começo? Não há fade in, como você<br />
sabe. Abrimos com um corte direto. Naquela cena, os atores usaram<br />
efetivamente a câmera. Eles seguraram a câmera; ela estava<br />
amarrada neles. Para a primeira tomada, o cafetão tem a câmera<br />
atada a seu peito. Eu disse a Towers: “Bata na câmera.” E ela bateu<br />
na câmera, na lente. Daí eu inverti. Coloquei a câmera nela,<br />
enquanto ela batia à beça nele. Achei que funcionava. Ela teve<br />
dificuldades de se maquiar no fim da cena, porque teve que usar<br />
a lente como espelho. Quando os créditos vêm, ela está olhando<br />
para a lente.<br />
P: Há muitas referências artísticas no filme, referentes especialmente<br />
a Grant [Michael Dante], o milionário. As mais incríveis<br />
são relativas a Beethoven.<br />
r: Ah! Para começar, eu queria mostrar que o milionário é um homem<br />
muito “bacana”; ele gosta de se sentar e ouvir música, e<br />
todas essas coisas. A menina é carente disso tudo. Beethoven é<br />
um símbolo. Poderia ser qualquer outro compositor ou artista.<br />
P: Qual era o seu objetivo com a viagem imaginária a Veneza durante<br />
aquela cena romântica?<br />
r: Eu queria muito aquilo por várias razões. Para começar, estou<br />
tentando vendê-lo como um cara poético, musical — o camarada<br />
que ela tanto quer. Ela nunca teve nada assim antes. As cenas em<br />
Veneza me deram a chance de mostrar aquilo efetivamente.<br />
Mas o que eu queria mais do que qualquer outra coisa era<br />
usar aquilo para chegar ao Beijo, ao Beijo Amargo. Para essa<br />
cena, eu os coloquei na gôndola, com as folhas caindo. Eu cortei<br />
dali para a cena em que eles se beijam no sofá. Outra folha cai.<br />
Nunca saberemos se aquilo é coisa da cabeça dela ou se realmente<br />
aconteceu. Assim que ela o beija, ela se afasta. Ele diz: “Qual é o<br />
problema?” Ela diz: “Nada.” É nesse momento que ela deveria ter<br />
dito: “Há algo de errado com você.” Mas ela não disse.<br />
Eu precisava ter coisas melosas, piegas e românticas naquela<br />
cena. Não poderia apenas colocá-los se beijando no sofá.<br />
Precisava de todo aquele climinha falso por uma razão: pensei<br />
que se desse a ele muito lero-lero — tudo aquilo sobre poetas,<br />
pintores, escritores e músicos —, nós entenderíamos melhor por<br />
que ela não faz objeção a ele naquele instante. Eu precisava ter<br />
um homem que simbolizasse tudo que ela desejava. Daí exagerei.<br />
Precisei exagerar.<br />
Quando ela descobre o segredo do homem e percebe que ele<br />
lhe deu um Beijo Amargo, ela fica chocada, e ele fica chocado por<br />
ela estar chocada. Já que ela é uma prostituta, ele achou que ela<br />
fosse entender por que ele gosta de menininhas.<br />
tuBarãO<br />
r: Quando fiz Tubarão (Shark, 1969), eu tive o que achei ser um<br />
lampejo de inspiração: fazer uma história sobre quatro personagens<br />
amorais. Um é cientista [Barry Sullivan]: amoral. Outro é a<br />
menina com quem ele transa [Silvia Pinal]: amoral. Outro é o jovem<br />
herói [Burt Reynolds]: amoral. O último é o policial [Enrique<br />
Lucero]: amoral. Achei que seria interessante mostrar não apenas<br />
traição em cima de traição, mas também acharmos que sabemos<br />
quem é o maior sacana deles e então descobrirmos que a garota<br />
está por trás daquilo tudo: ela é a mais desprezível. Ela tem uma<br />
chance de sair dali viva, se ela for sincera com o protagonista.<br />
Mas ela não faz isso. Ela é responsável pela própria morte. Ele a<br />
deixa morrer. Tentei algo diferente ali. Eles estão apaixonados e<br />
tudo o mais, e eu coloquei o herói na posição de não apenas deixá<br />
-la morrer, como também na de fazer pouco caso daquilo. Achei<br />
que aquilo era excitante.<br />
Eu gosto da ideia de um caso de amor em que o homem descobre<br />
que era usado pela mulher. Eu dei a ela uma fala ótima.<br />
Na última fala do filme — agora descubro que os produtores a<br />
colocaram antes e que ela não é mais a última —, ela diz: “Nós somos<br />
um casal de sacanas, a diferença é que eu sou rica.” Era isso<br />
que eu queria. Eu filmei coisas bem legais. Por exemplo, quando<br />
o barco está afundando no final, ele pega um cigarro aceso e o<br />
atira ao mar. Eu me concentrei no cigarro. Um peixe o vê (o peixe<br />
sendo um símbolo do tubarão), pensa que é alguma coisa, e então<br />
o apanha. Pssshhht! [Som de um cigarro sendo apagado.] É<br />
o final do filme. Mas eu acho que eles cortaram. Muitas coisas<br />
foram cortadas.<br />
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