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REVISTA BRASILEIRA 58-pantone.vp - Academia Brasileira de Letras

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Os Anjos <strong>de</strong> Teolinda Gersão<br />

vida<strong>de</strong>, em termos artísticos, pois é uma pintora <strong>de</strong> telas para quem a natureza<br />

e sua força corpórea são matérias <strong>de</strong> criação, e em termos pessoais, uma vez<br />

que rejeita a or<strong>de</strong>m doméstica, encoberta pelos véus da normalida<strong>de</strong>, que lhe<br />

tenta impor Afonso.<br />

A diferença entre Lídia e o amante é marcada, assim, pelo antagonismo social<br />

e i<strong>de</strong>ológico, porque, se ela é uma artista movida pela criativida<strong>de</strong> e ruptura,<br />

Afonso é um cirurgião plástico, ou seja, um mo<strong>de</strong>lador, não <strong>de</strong> mentes<br />

como Alfredo, mas <strong>de</strong> corpos.<br />

A percepção do paradoxo, no que se constrói sua relação amorosa, faz com<br />

que Lídia pronuncie palavras que soam como uma espécie <strong>de</strong> poesia libertária:<br />

“(...) não quero entrar no teu mundo nem mudar o meu rosto, quero ficar<br />

como saí do mar agora, os meus cabelos ver<strong>de</strong>s, os meus olhos conchas,<br />

o meu corpo alga, as minhas mãos gaivotas, e se não me amares assim vai-te<br />

embora e <strong>de</strong>ixa-me ficar, absurda e doida e contente <strong>de</strong> mim (...)”. 6<br />

Entretanto, a fala <strong>de</strong> Lídia não se vincula ao âmbito exclusivamente doméstico<br />

ou afetivo, ao contrário, ela torna-se, sobretudo, enunciadora <strong>de</strong><br />

um discurso que evi<strong>de</strong>ncia os “<strong>de</strong>mônios interiores” presentes na socieda<strong>de</strong><br />

contemporânea, no sentido que Bauman dá a esse termo, pois segundo o<br />

autor:<br />

“Todo tipo <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m social produz <strong>de</strong>terminadas fantasias dos perigos que<br />

lhe ameaçam a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. A socieda<strong>de</strong> insegura da sobrevivência <strong>de</strong> sua or<strong>de</strong>m<br />

<strong>de</strong>senvolve a mentalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma fortaleza sitiada. Mas os inimigos<br />

que lhe sitiaram os muros são os seus próprios “<strong>de</strong>mônios interiores” – os<br />

medos reprimidos e circundantes que lhe permeiam a vida diária e a normalida<strong>de</strong>.”<br />

7<br />

6 I<strong>de</strong>m, p. 49.<br />

7 BAUMAN, Zygmunt. O Mal-Estar da Pós-Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Zahar Editores, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1998, p. 52.<br />

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