REVISTA BRASILEIRA 58-pantone.vp - Academia Brasileira de Letras
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Ligia Chiappini<br />
os <strong>de</strong>mônios se soltam e projetam o sadismo dos Knuts-Shibatas e dos Fleurys-<br />
Clau<strong>de</strong>miros (como em Sempreviva) no fascismo mais exaltado.<br />
Em Concerto Carioca o autor opta por se introduzir nas vertentes pessoais da<br />
malda<strong>de</strong> e toma partido, <strong>de</strong>cisivamente, pelo mito, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong>sta vez a história<br />
como um distante pano <strong>de</strong> fundo. Ao <strong>de</strong>bilitar-se o plano histórico e social,<br />
rompe-se aquele equilíbrio entre o particular e o geral, o contingente e o transcen<strong>de</strong>nte,<br />
que permitiu a Quarup perdurar. O resultado, que reúne acertos e<br />
achados, é um romance no qual o próprio narrador (personificado num menino)<br />
parece perceber um equívoco: o <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar como herói a quem <strong>de</strong>veria ser<br />
um vilão secundário e diminuir a figura central do indiozinho, tornada paradoxalmente<br />
mais abstrata. Em todo o caso, isso talvez seja mesmo o remate <strong>de</strong><br />
um ciclo e o começo <strong>de</strong> outro, <strong>de</strong> um livro ambíguo que traz um novo latente.<br />
Finalmente, Callado chega <strong>de</strong> volta aon<strong>de</strong> começou, re<strong>de</strong>scobrindo o país e<br />
a si mesmo no confronto com seus irmãos latino-americanos e nossos meios<br />
pais europeus, a partir da experiência da viagem, da vivência <strong>de</strong> guerras externas<br />
e internas e das prisões <strong>de</strong> velhas e novas ditaduras. Londres durante a<br />
guerra e o ambiente da BBC serão novamente tematizados, lançando mão <strong>de</strong><br />
um recurso que sempre foi efetivo em suas obras: os mecanismos <strong>de</strong> surpresa e<br />
suspense dos romances policiais e <strong>de</strong> espionagem. Mas aqui o autor vai mais<br />
longe, pois tenta compreen<strong>de</strong>r o Brasil, tentando entendê-lo na América do<br />
Sul, e esta, em suas tensas relações com a Europa.<br />
A história é narrada do ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> um jornalista brasileiro, que vai<br />
para Londres fugindo à ditadura <strong>de</strong> Getúlio Vargas, na década <strong>de</strong> 40, e lá encontra<br />
outros companheiros latino-americanos, uma chilena-irlan<strong>de</strong>sa, um<br />
paraguaio, um boliviano, um venezuelano que, por sua vez, fugiram do arbítrio<br />
da polícia política em seus respectivos países. O confronto <strong>de</strong>les entre si<br />
e <strong>de</strong> todos com os ingleses, no dia-a-dia <strong>de</strong> uma agência da BBC especialmente<br />
voltada para a América Latina, acaba <strong>de</strong>nunciando tanto os bárbaros<br />
crimes latino-americanos do passado e do presente quanto o envolvimento<br />
das nossas elites com os criminosos <strong>de</strong> colarinho branco da supercivilizada<br />
Inglaterra.<br />
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