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REVISTA BRASILEIRA 58-pantone.vp - Academia Brasileira de Letras

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Marta Spagnuolo<br />

que ali estávamos carregava, segundo disse, o tormento branco e santificador<br />

da pureza”. Zama o toma ao pé da letra; inclusive tem que “esquivar-se ao<br />

agrado <strong>de</strong> outros silenciosos olhares estimativos”, para aferrar-se só ao <strong>de</strong> Luciana,<br />

que, ainda que primeiro não tenha atendido ao “discurso moralista”, ao<br />

ouvir isso do “tormento branco e santificador da pureza”, o olha, segundo<br />

Zama, assim: “Luciana soltou o brio <strong>de</strong> seu olhar penetrando-me, seus olhos<br />

postos nos meus, <strong>de</strong> forma breve. Foi como se ela respon<strong>de</strong>sse sem resistência<br />

ao chamado <strong>de</strong> alguma coisa nova e levemente estranha.”<br />

Zama, a quem isso o faz sentir “repentinamente abrandado e benigno”, regressa<br />

tão eufórico, tão na lua (“assistido pela Lua”) essa noite, que para ele foi<br />

triunfal, que seu relato é este:<br />

“Se, <strong>de</strong> regresso, tivesse dado na rua com Sua Majesta<strong>de</strong> e em seus lábios esta<br />

proposta: “Zama, quereis um cargo em Buenos-Ayres, mais bem-visto e remunerado,<br />

se é que aceitas partir amanhã?”, eu teria respondido: “Ainda não”.<br />

Nenhum homem – disse-me – <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nha a perspectiva <strong>de</strong> um amor ilícito.<br />

É um jogo, um jogo <strong>de</strong> perigo e satisfações. Se se dá o triunfo, ganhou a<br />

simulação perante o terceiro interessado e contra a socieda<strong>de</strong>, guardiã gratuita”.<br />

(38-39)<br />

Tenha-se em conta que isto é o final do capítulo 6, a umas poucas páginas<br />

da <strong>de</strong>dicatória “Às vítimas da espera”, e do capítulo 1, em que Zama se apresenta<br />

melancólico, aguardando um barco sem saber quando virá, refletido no<br />

macaco morto, e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> dizer-se algumas coisas, meditando:<br />

“Esses assuntos ficavam só para mim, excluídos da conversa com o governador<br />

e com todos, por minha escassa ou nula facilida<strong>de</strong> para fazer amigos<br />

íntimos com quem espraiar-me. Devia levar a espera – e o <strong>de</strong>samparo –<br />

em solilóquio, sem comunicá-lo”. (22)<br />

Certamente, uma figura trágica, na qual as palavras “vítima” e “espera”<br />

pren<strong>de</strong>m no leitor, ocultando-lhe qual é o verda<strong>de</strong>iro significado. Se Zama é<br />

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