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REVISTA BRASILEIRA 58-pantone.vp - Academia Brasileira de Letras

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Ligia Chiappini<br />

Romance camaleão<br />

Concluída sua primeira versão, pouco antes do golpe, o livro é publicado<br />

em 1967. Foi como se o escritor, eufórico, em plena fase <strong>de</strong> implantação <strong>de</strong><br />

Brasília no planalto central, recém-chegado das viagens que lhe haviam permitido<br />

reunir um material tão variado para tentar or<strong>de</strong>nar na sua cabeça e no papel<br />

o país re<strong>de</strong>scoberto, tivesse sido atropelado pela história. Com o golpe, o<br />

livro, camaleônico como a nossa realida<strong>de</strong>, transforma-se subitamente, <strong>de</strong> um<br />

texto atual, como o próprio autor diz, em uma evocação histórica, apontando<br />

para a mais viva experiência social jamais inventada no Brasil, <strong>de</strong>struída pela<br />

ditadura: o tempo <strong>de</strong> Arraes e o tempo das ligas camponesas.<br />

O romance se relaciona estreitamente com discursos e práticas políticas e culturais<br />

da esquerda brasileira, tematizando o movimento revolucionário <strong>de</strong> Francisco<br />

Julião e seus seguidores, a experiência <strong>de</strong> Arraes e a sua tentativa <strong>de</strong> uma revolução<br />

pacífica, paralelamente às pregações da violência revolucionária no embate<br />

das tendências do tempo. Dialoga com projetos e movimentos fundamentais,<br />

como o das ligas camponesas, lado a lado com os projetos <strong>de</strong>senvolvimentistas,<br />

contradição não i<strong>de</strong>ntificada na época como tal, pela maioria dos intelectuais.<br />

Mas o romance mostra que a revolução popular é incompatível com o nacionalismo<br />

e o <strong>de</strong>senvolvimentismo da burguesia. Critica também a mitificação<br />

do método Paulo Freire, quando a pedagogia do oprimido é transformada em<br />

receituário, em que a palavra protesto vira sombra na praça, berro irracional,<br />

pranto patético, loucura. A palavra aparece aí entre o homem e a coisa, e somos<br />

convidados a resistir ao seu fascínio, <strong>de</strong>sconfiando do po<strong>de</strong>r que ela exerce sobre<br />

nós e do que, através <strong>de</strong>la, exercemos sobre os outros. A caricatura da aula <strong>de</strong><br />

Francisca, pelo verbo <strong>de</strong>sconexo dos camponeses jogados à sua própria sorte,<br />

impõe arear a palavra, e respeitar o homem pobre que <strong>de</strong>la <strong>de</strong>sconfia.<br />

Uma novida<strong>de</strong> pouco estudada é a aproximação do índio e do camponês<br />

nor<strong>de</strong>stino em Quarup. Essa aproximação <strong>de</strong> protagonistas tão diferentes e tão<br />

semelhantes é uma espécie <strong>de</strong> metonímia com um peso simbólico político-antropológico,<br />

que ainda <strong>de</strong>safia os intérpretes <strong>de</strong>sse livro.<br />

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