REVISTA BRASILEIRA 58-pantone.vp - Academia Brasileira de Letras
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Entre nuvens e conspirações<br />
humor, um amplo painel <strong>de</strong> motivos e espaços que, urdidos e bem correlacionados,<br />
cartografam a <strong>de</strong>finida, mas não <strong>de</strong>finitiva, cosmovisão da gran<strong>de</strong> criadora<br />
<strong>de</strong> As Meninas.<br />
O espaço privilegiado do híbrido tecido ficcional construído por Lygia<br />
Fagun<strong>de</strong>s Telles é, privilegiadamente, o Brasil real, que, longe da euforia i<strong>de</strong>alista<br />
da oficialida<strong>de</strong> manipulatória, nunca logra escamotear as imensas chagas<br />
sociais que lhe emprestam, e <strong>de</strong>sfiguram, a fisionomia dolorosa e a nervura<br />
essencial <strong>de</strong> país sub<strong>de</strong>senvolvido; país eternamente do futuro, sem as notas<br />
auspiciosas em seu presente, mas sempre em dia com as suas resistentes, e quase<br />
insuperáveis, formas <strong>de</strong> mobilização e perpetuida<strong>de</strong> do atraso.<br />
É aqui, nesse interlúdio crítico marcado por acendrada consciência social,<br />
que a literatura produzida por Lygia Fagun<strong>de</strong>s Telles procura conferir,<br />
como ela mesma gosta <strong>de</strong> afirmar em postura ostensivamente metalinguística,<br />
voz a quem não a possui, e grito agoniado <strong>de</strong> cidadania a quem <strong>de</strong>la se<br />
acha <strong>de</strong>stituído nestes turbulentos tempos <strong>de</strong> predatória e <strong>de</strong>sumanizadora<br />
globalização.<br />
Vê-se, então, claramente, como, no sistema literário <strong>de</strong> Lygia Fagun<strong>de</strong>s<br />
Telles, cruzam-se e entrecruzam-se, dialeticamente, as várias funções da literatura.<br />
Do seminal ludismo <strong>de</strong> quem brinca esplendidamente com as palavras ao<br />
pragmatismo <strong>de</strong> quem põe o signo estético a serviço <strong>de</strong> humanizadores projetos<br />
civilizatórios. Do cognitivismo <strong>de</strong> quem sabe, competentemente, refletir e<br />
refratar o real, recriando-o <strong>de</strong> forma bem mais iluminadora, ao sinfonismo que<br />
tinge <strong>de</strong> atemporalida<strong>de</strong> a matéria ficcional trabalhada. Da fantasia que intenta<br />
transcen<strong>de</strong>r as estreitezas do cotidiano mais asfixiante à catarse que purga as<br />
emoções. Eis, sinteticamente, os vãos e <strong>de</strong>svãos em que se consome e consuma<br />
a criadora poética <strong>de</strong> Lygia Fagun<strong>de</strong>s Telles, toda ela urdida entre nuvens <strong>de</strong><br />
palavras e conspiração <strong>de</strong> silêncios e sentidos.<br />
É por aí que transitam textos como “Eu voltarei” e “É carnaval”. No primeiro,<br />
a partir <strong>de</strong> uma inscrição posta no muro <strong>de</strong> um cemitério, a autora reflete<br />
sobre as <strong>de</strong>srazões da nossa moribunda civilização, nela flagrando o sepultamento<br />
das esperanças e a <strong>de</strong>saparição melancólica das gran<strong>de</strong>s ou pequenas<br />
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