REVISTA BRASILEIRA 58-pantone.vp - Academia Brasileira de Letras
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Entre nuvens e conspirações<br />
Conspiração <strong>de</strong> Nuvens <strong>de</strong>sbrava, <strong>de</strong> igual modo, o misterioso e sedutor universo<br />
da criação literária, suas etapas constitutivas, do momento exato em que a<br />
centelha da inspiração se ilumina nos abismos do inconsciente do artista até o<br />
instante, mágico-agônico, em que a palavra, obsessivamente perseguida e capturada,<br />
<strong>de</strong>ntro dos limites do possível, plasma-se no coração embranquecido<br />
<strong>de</strong> uma página, e vira enredo, sonho, <strong>de</strong>núncia, beleza, sedução, memória, tempo<br />
e eternida<strong>de</strong> revolvendo-se, quase indiscerníveis, na materialida<strong>de</strong> concreta<br />
<strong>de</strong>ste gran<strong>de</strong> sortilégio humano chamado linguagem, casa do ser, no poético-filosófico<br />
dizer <strong>de</strong> Martin Hei<strong>de</strong>gger.<br />
No ato-processo criador <strong>de</strong> Lygia Fagun<strong>de</strong>s Telles, pelo que se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong><br />
das suas ficcionais confissões, tudo/nada se po<strong>de</strong> converter em matéria estética:<br />
uma notícia esparsa e <strong>de</strong>spretensiosa <strong>de</strong> jornal, um resquício <strong>de</strong> frase solta<br />
em alguma in<strong>de</strong>finida conversação, uma imagem cotidiana que, sem pedir licença,<br />
enclausurou-se em algum porão do nosso in<strong>de</strong>cifrável mundo psíquico;<br />
e, claro, a imaginação, esse indomável pássaro que trazemos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> nós, e<br />
com cujas asas percorremos novos e inexplorados mundos.<br />
Aqui, a literatura recusa as estreitezas da vida dita real, e alarga, libertariamente,<br />
o seu compasso semântico, <strong>de</strong> modo a fornecer ao homem o escapismo,<br />
a fantasia, a evasão, cumprindo, assim, magistralmente, uma das suas mais<br />
significativas funções, <strong>de</strong> acordo com as assertivas feitas por Antonio Candido<br />
em seu conhecido ensaio “A literatura e a formação do homem”.<br />
A ficção da memória ou a memória da ficção, em Lygia Fagun<strong>de</strong>s Telles,<br />
alimenta-se <strong>de</strong>sse repasto, e, ao libertar-se do agente empírico que a gestou,<br />
indo ao encontro do horizonte recepcional produzido pelo gesto semiótico<br />
concreto da leitura, passa a gerar uma gama variada <strong>de</strong> significações, atingindo<br />
o estatuto da Obra Aberta, sobre a qual nos falou Umberto Eco.<br />
É quando o texto literário, como nos assevera Lygia Fagun<strong>de</strong>s Telles em<br />
“Bolas <strong>de</strong> Sabão”, transforma-se num território <strong>de</strong> perplexida<strong>de</strong>s, pródigo <strong>de</strong><br />
perguntas e rico <strong>de</strong> respostas, que, provisórias todas, ainda bem, jamais logram<br />
atingir o cerne e a nervura essencial <strong>de</strong>ste gran<strong>de</strong> ponto <strong>de</strong> interrogação chamado<br />
ser humano.<br />
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