REVISTA BRASILEIRA 58-pantone.vp - Academia Brasileira de Letras
REVISTA BRASILEIRA 58-pantone.vp - Academia Brasileira de Letras
REVISTA BRASILEIRA 58-pantone.vp - Academia Brasileira de Letras
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Zama, <strong>de</strong> Antonio Di Bene<strong>de</strong>tto, em sua Terra do Nunca<br />
Zama se interrompe: o menino está com a cabeça cheia <strong>de</strong> cocô <strong>de</strong> galinha.<br />
Emília a limpa, por assim dizê-lo, com sua saia, “murmurando sua irritação e<br />
sua repugnância” e se põe a varrer os excrementos. Quando Zama a vê mais<br />
calma, entre a “massa <strong>de</strong> terra flutuante” que Emília levanta ao varrer, a choramingação<br />
do menino e o cacarejar das galinhas, prossegue:<br />
“– Vê bem, Emília. Dez meses <strong>de</strong> antes, dos próprios, mais <strong>de</strong>zenove são<br />
vinte e nove, menos três e meio… Vinte e nove por mil, fazem vinte e nove<br />
mil, vinte e nove mil pesos. Agora, vejamos o das caixas reais. A conta é fácil.<br />
A razão <strong>de</strong> quinhentos, <strong>de</strong>zenove por quinhentos… <strong>de</strong>zenove por quinhentos...<br />
Não, melhor será contar por partes: primeiro, <strong>de</strong>z por quinhentos<br />
e <strong>de</strong>pois nove por quinhentos. Dez por qui…<br />
– Vai embora! Vai embora! Louco, vai embora daqui!<br />
Rompeu comigo.<br />
Hasteou a pá, ameaçadora e bufante. Dei um pulo para trás, precavido,<br />
distanciando-me <strong>de</strong> sua fúria. Mas continuava gritando: “Vai embora! Vai<br />
embora!”, e o menino, assustado, chorava também aos gritos.<br />
Virei-me, resignado, conhecendo que não conseguiria aplacá-la. Caminhei<br />
alguns passos e calou.<br />
Então virei para dizer-lhe alguma coisa, ainda. Estava tensa, com as pernas<br />
abertas. Abaixara a pá, mas tornou a levantá-la por cima <strong>de</strong> sua cabeça.<br />
Dessa distância não po<strong>de</strong>ria acertar-me”. (143)<br />
Por fim Zama não tem outro remédio que ir-se, com uma teatral ameaça <strong>de</strong><br />
não voltar mais se ela não o chamar, e, concentrando seu olhar no menino, “meu<br />
filho”, “<strong>de</strong> quatro, sujo”, quase confundido com a terra, reflete: “Um estilo <strong>de</strong><br />
mimetismo. Pelo menos possuía essa <strong>de</strong>fesa, característica dos animais.” (144)<br />
O que é a reescritura paródica, a que antes aludi, dos famosos cálculos<br />
do Sr. Darling cada vez que se avistava um filho no caminho. Na idílica cena<br />
conjugal, ele, “um senhor muito digno”, está sentado “à beira da cama da senhora<br />
Darling, sustendo-lhe a mão”, enquanto ela o olha “suplicante”:<br />
71