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REVISTA BRASILEIRA 58-pantone.vp - Academia Brasileira de Letras

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Zama, <strong>de</strong> Antonio Di Bene<strong>de</strong>tto, em sua Terra do Nunca<br />

que <strong>de</strong>senham os médicos em uma ficha quando alguém tem febre; estas linhas<br />

<strong>de</strong>vem ser as estradas da ilha, já que a Terra do Nunca é sempre mais<br />

ou menos uma ilha...” (10-11)<br />

Este é, exatamente, o “<strong>de</strong>senho” que produz a ziguezagueante mente <strong>de</strong><br />

Zama. Um sobe e baixa pelas “estradas” <strong>de</strong> sua febril ilha mental, que se <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nam<br />

na sua confusão. Toma uma; e em poucas palavras mais, um ponto, e<br />

toma outra. Às vezes a que toma em primeiro plano se corta, e, sem voltar sobre<br />

seus passos, volta, entretanto, atrás, pela que tinha que avançar antes. E isso<br />

po<strong>de</strong> ocorrer num só parágrafo, produzindo uma <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m do sentido, que<br />

aparece “revirado”, em súbita contradição.<br />

Por trás da referida passagem do filho <strong>de</strong> Indalecio, Zama – que sabe que<br />

mentiu para si mesmo – quer achar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> coisa certa no seu próprio<br />

engano: “Podia-se acreditar que me <strong>de</strong>terminava um passado exigente<br />

<strong>de</strong> melhor porvir. Esse menino, o filho <strong>de</strong> Indalecio, vinha-me reclamá-lo<br />

com sua emoção admirativa.” (31) Mas esse “podia-se acreditar” vai imediatamente<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um ponto que corta o caminho à verda<strong>de</strong> que vinha avançando,<br />

asseverativa: “Zama havia sido e não podia modificar o que foi.” (Grifado<br />

no texto). E que Zama tenta retomar no parágrafo seguinte, <strong>de</strong>sviado <strong>de</strong><br />

imediato pela convivência das contradições na ambiguida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sesperante:<br />

Zama vê “o passado como algo visceral, disforme, e, ao mesmo tempo, perfectível.”<br />

Mas “os elementos nobres” – que seriam o perfectível – quase <strong>de</strong>saparecem<br />

anulados pela “maior parte”, que é “engordurada, <strong>de</strong>sagradável e<br />

difícil <strong>de</strong> capturar como os intestinos <strong>de</strong> um animal recém-aberto”. E em seguida<br />

fecha, por assim dizê-lo, esse passado “aberto”, para justificar a culpa,<br />

como se tivesse sido presa <strong>de</strong> forças alheias à sua vonta<strong>de</strong>: “Tomava-o como<br />

uma parte <strong>de</strong> mim, inclusive imprescindível, embora não houvesse intervindo<br />

em sua elaboração”. E então, já ali se manifesta ao leitor que se há algo<br />

verda<strong>de</strong>iramente claro no nível literal do enigmático romance é seu jogo <strong>de</strong><br />

tensão entre o passado e o presente <strong>de</strong> Zama (embora logo resulte metafórico<br />

ao transcen<strong>de</strong>r o individual):<br />

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