Revista 2002 - Beija-Flor
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Sétimo filho de uma família de dez irmãos, muito<br />
cedo Anizio conheceu o lado difícil da vida. Ainda menino,<br />
vendia laranja em campos de futebol, bala na porta<br />
dos cinemas e engraxava sapatos para ajudar no orçamento<br />
da casa. Aos 10 anos, a exemplo dos irmãos<br />
mais velhos, passou a ajudar o pai a transportar o material<br />
comprado no Centro do Rio de Janeiro para ser<br />
revendido no armarinho da família em Nilópolis. "Durante<br />
muito tempo, peguei o trem na Central do Brasil<br />
carregando enormes rolos de lã na cabeça", lembra ele,<br />
que acabou tendo que largar os estudos no quarto ano<br />
primário. Ainda assim, Anizio afirma que teve uma infância<br />
tranqüila: "Jogava bola, rodava pião, soltava<br />
pipa... tudo o que as outras crianças faziam."<br />
Impulso à <strong>Beija</strong>-<strong>Flor</strong><br />
Já nessa ocasião, uma das coisas que mais gostava<br />
de fazer era ouvir samba. Cresceu torcendo pela<br />
Estação Primeira de Mangueira, onde fez grandes amigos<br />
e algumas festinhas de aniversário dos filhos mais<br />
velhos. Isso na época em que a <strong>Beija</strong>-<strong>Flor</strong> não passava<br />
de uma escola pequena e sem expressão. E foi a partir<br />
de um show da Verde-e-Rosa numa praça de Nilópolis<br />
— realizado por iniciativa dele, Anizio — que a escola<br />
de samba de sua cidade ganhou impulso para se desenvolver:<br />
"Levamos sete ônibus cheios com o pesso-<br />
Acervo Família Abrão David<br />
O jovem Anizio,<br />
então com 17 anos<br />
al da Mangueira e foi um verdadeiro carnaval na praça.<br />
Esse acontecimento, sem dúvida, incentivou a comunidade<br />
nilopolitana a valorizar a escola da região."<br />
E foi, de fato, o que aconteceu. Mas a <strong>Beija</strong>-<strong>Flor</strong> só<br />
passou realmente a ganhar projeção, até se transformar<br />
na grande potência do carnaval que é hoje, quando<br />
Anizio, que já havia sido presidente da escola no<br />
período de 1967 a 68, retornou ao comando da<br />
agremiação ao lado de seu irmão Nelson, em 1972.<br />
De lá para cá, muitas alegrias e nenhuma decepção,<br />
garante Anizio. "Nunca tive problemas na escola, até<br />
porque o que temos na <strong>Beija</strong>-<strong>Flor</strong> são pessoas que<br />
vestem a camisa mesmo: o Neguinho é um filho nosso,<br />
a Sônia Capeta, uma filha que ajudamos a criar, a<br />
Selminha e o Claudinho brigam pela escola como se<br />
tivessem sido criados lá dentro e o Laíla faz tudo pela<br />
<strong>Beija</strong>-<strong>Flor</strong>. Isso sem contar com a comunidade, que<br />
nunca negou fogo — entra com raça e encara qualquer<br />
dificuldade, como foi em 1986, quando desfilamos<br />
debaixo de chuva, com água no joelho", justifica.<br />
Velório com festa<br />
Outro que também é sempre lembrado com muito carinho<br />
por Anizio é o falecido compositor Silvestre David<br />
dos Santos, o Cabana. "Era muito amigo meu e sempre<br />
me dizia que quando morresse não queria nada além de<br />
um samba na quadra. Quando ele morreu, conversei com<br />
a família dele sobre esse desejo e fizemos um gurufim na<br />
quadra, ou seja, um velório com festa. Cantamos a noite<br />
inteira e entramos no cemitério lembrando os muitos sambas<br />
geniais que ele fez. Quando o pessoal esquecia a<br />
letra, perguntava para mim que eu sabia", conta Anizio.<br />
E foi por essa época, ao presenciar o cantor e compositor<br />
Martinho da Vila recorrendo à memória musical<br />
de Anizio, que o radialista Adelzon Alves desfez um grande<br />
mal-entendido: "Eu vivia chamando o Anizio de<br />
sambeiro porque acreditava que seu envolvimento com<br />
a escola fosse meramente por interesse político. Naquele<br />
dia, ele deu uma grande demonstração de sensibilidade,<br />
percepção e respeito à cultura popular do país, à<br />
qual ele está muito mais vinculado do que eu imaginava.<br />
Foi aí que eu percebi o autêntico sambista que ele é",<br />
redimiu-se Adelzon em entrevista concedida ao também<br />
radialista Hilton Abi Riham.<br />
janeiro <strong>2002</strong><br />
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