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MÍDIA, MÁFIAS E ROCK'N'ROLL

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De qualquer modo, quando cheguei à Folha Ilustrada, não havia a<br />

menor pressão para escrever assim ou assado – bastava que o<br />

jornalista soasse informado e ‘antenado’ com as últimas tendências<br />

da cultura local e mundial. Trabalhei com três editores na<br />

Ilustrada: Maria Ercília (que foi quem me convidou), Alcino Leite<br />

Neto e Bia Abramo.<br />

O bom-senso e mesmo o bom caráter dos dois últimos,<br />

particularmente, me fez conceber uma teoria cruel. A de que<br />

um bom editor de um grande caderno de cultura tem quer ser<br />

obcecado, irrealista, surtado e autoritário.<br />

Com os primeiros sinais do colapso do mainstream comercial, no<br />

final dos anos 80, a cultura já dava sinais de estar muito<br />

multifacetada e segmentada. O conhecimento médio e o bomsenso<br />

já não eram instrumental suficiente para fazer um bom<br />

editor. Pelo contrário, ao invés de uma cobertura ‘equilibrada’, o<br />

bom-senso apontava para um recorte flácido, banal e irrelevante<br />

do cenário cultural.<br />

Curiosamente, teorias abstrusas e estilos idiossincráticos de edição<br />

como os de Matinas Suzuki Jr. e de Mario César Carvalho (com<br />

quem não trabalhei diretamente – e me pergunto, felizmente ou<br />

infelizmente?) rendiam cadernos muito mais empolgantes.<br />

A inteligência ponderada e a doçura no trato de Alcino Leite, por<br />

exemplo, não fizeram da Ilustrada um bom caderno pop. No<br />

máximo fizeram dela um caderno ‘correto’ e, no contexto pop, essa<br />

expressão é quase uma ofensa.<br />

É como se a cultura pop, particularmente no pós-punk, exigisse<br />

na imprensa personalidades clonadas das de jornalistas<br />

turbulentos como Hunter Thompson e Lester Bangs – como se<br />

só personalidades autoritárias e surtadas pudessem proporcionar<br />

um recorte notável qualquer desse cenário em aceleração<br />

constante e incompreensível.<br />

Ou seja, na Ilustrada era possível escrever praticamente qualquer<br />

coisa sobre qualquer coisa, mas nada que parecesse fazer muita<br />

diferença, ou corresponder a um projeto, a um viés de intervenção<br />

na realidade. O que, somado à pressão do fechamento diário,<br />

gerava uma combinação doentia de estresse e desinteresse.<br />

Em uma dessas situações de pressão, fiz uma falseta com o Alcino.<br />

Eu tive que fechar às pressas o destaque do Acontece – a página da<br />

programação diária. Era a estréia de uma peça de teatro, à qual eu

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