BH, um canteiro de obras BH, um canteiro de obras - Fato Relevante
BH, um canteiro de obras BH, um canteiro de obras - Fato Relevante
BH, um canteiro de obras BH, um canteiro de obras - Fato Relevante
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
DURVAL GUIMARÃES<br />
A primeira passeata<br />
gente não esquece<br />
Assim eu via o FMI,<br />
sempre roubando dos<br />
brasileiros e <strong>de</strong> todos os<br />
países in<strong>de</strong>fesos do<br />
mundo. Com o tempo,<br />
percebi que era <strong>um</strong>a<br />
instituição financeira<br />
como outra qualquer e<br />
que os seus <strong>de</strong>vedores<br />
não passavam, quase<br />
sempre, <strong>de</strong> governos<br />
incompetentes, que<br />
recorriam ao seu<br />
dinheiro para cobrir<br />
rombos <strong>de</strong>snecessários<br />
DEZEMBRO DE 2009<br />
Com menos <strong>de</strong> três semanas <strong>de</strong> aulas, eu<br />
ainda não sabia o nome sequer <strong>de</strong> cinco<br />
colegas <strong>de</strong> sala, na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito<br />
da UFMG. Mas estava ali na Avenida Afonso<br />
Pena, a principal <strong>de</strong> Belo Horizonte, gritando<br />
contra a ditadura militar e contra <strong>um</strong> quinteto <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>mônios, dos quais ainda me lembro <strong>de</strong> alguns.<br />
Era <strong>um</strong>a passeata imensa, com a participação <strong>de</strong><br />
milhares <strong>de</strong> estudantes, além <strong>de</strong> funcionários<br />
públicos e sindicalistas, como sempre. Não sou<br />
<strong>um</strong>a pessoa <strong>de</strong>smemoriada, ou atingida pelosas<br />
achaques naturais nas pessoas <strong>de</strong> cabelos brancos.<br />
Mas é que faz muito tempo. Mais <strong>de</strong> 40<br />
anos se passaram, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1967.<br />
Entre aqueles odiados fariseus contra os<br />
quais gritávamos, lembro-me <strong>de</strong> <strong>um</strong>a si<strong>de</strong>rúrgica<br />
norte-americana, <strong>de</strong> nome Bethlehem Ste -<br />
el, que li<strong>de</strong>rava <strong>um</strong> suposto cartel in dus -<br />
trial-militar, que mantinha a dominação do<br />
mundo pela força das armas e do aço. Hoje, por<br />
mais que me esforce, nunca consigo ler o nome<br />
<strong>de</strong>ssa usina nas páginas dos jornais. As únicas<br />
si<strong>de</strong>rúrgicas americanas citadas pela imprensa<br />
são aquelas <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> da Gerdau, que é <strong>um</strong><br />
grupo brasileiríssimo. Havia também <strong>um</strong> misterioso<br />
acordo educacional, <strong>de</strong> nome MEC-<br />
Usaid, que, segundo os panfletos da época,<br />
pretendia <strong>de</strong>ixar os brasileiros ainda mais analfabetos.<br />
Ironicamente, hoje o Brasil é o país dos<br />
cursos superiores e universida<strong>de</strong>s sem que<br />
aquele convênio fosse <strong>de</strong>rrotado.<br />
O maior inimigo, porém, era o Fundo Mo ne -<br />
tário Internacional (FMI), <strong>um</strong>a espécie <strong>de</strong> agiota<br />
impiedoso, que emprestava dinheiro com o<br />
único propósito <strong>de</strong> nos escravizar. Durante<br />
muitos anos, quando me falavam em FMI, eu<br />
sempre me lembrava <strong>de</strong> “seu” Bernardão, <strong>um</strong><br />
vizinho gordo e displicente em suas roupas, que<br />
emprestava dinheiro na sua oficina mecânica.<br />
Seu escritório era bem nos fundos do terreno,<br />
on<strong>de</strong> fazia orçamentos <strong>de</strong> reparos em automóveis<br />
em qualquer papel e mantinha <strong>um</strong><br />
cofre atrás da sua ca<strong>de</strong>ira.<br />
Sei <strong>de</strong>sses <strong>de</strong>talhes porque era lá que meu pai<br />
<strong>de</strong>ixava a Rural Willys para <strong>um</strong>a revisão<br />
mecânica, quando vinha do interior para visitar<br />
este seu filho no colégio. Quando a porta do seu<br />
confuso gabinete se mantinha fechada, era sinal<br />
<strong>de</strong> alguém tomando <strong>um</strong> <strong>de</strong>sesperado empréstimo.<br />
Consta que muita gente, que não honrou<br />
os pagamentos, foi ao <strong>de</strong>sespero e até ao suicídio,<br />
temendo perseguições e maltratos por parte dos<br />
guarda-costas do “seu” Bernardão, que nada<br />
faziam na oficina, exceto atemorizar a freguesia.<br />
Assim eu via o FMI, sempre roubando dos<br />
brasileiros e <strong>de</strong> todos os países in<strong>de</strong>fesos do<br />
mundo. Com o tempo, percebi que era <strong>um</strong>a ins -<br />
tituição financeira como outra qualquer e que os<br />
seus <strong>de</strong>vedores não passavam, quase sempre, <strong>de</strong><br />
governos incompetentes, que recorriam ao seu<br />
dinheiro para cobrir rombos absurdos. Por exemplo:<br />
o FMI nunca exigiu que se pagassem<br />
salários <strong>de</strong> R$90 mil aos <strong>de</strong>putados estaduais<br />
mineiros, como ocorreu até recentemente. Ou que<br />
a Assembleia Legislativa mineira tenha tantos<br />
funcionários quanto <strong>um</strong>a usina si<strong>de</strong>rúrgica. De<br />
qualquer forma, era h<strong>um</strong>ilhante, para nós jorna -<br />
lis tas, cobrir os passos dos técnicos daquele ór gão,<br />
que <strong>de</strong>sembarcavam no Galeão para fis calizar,<br />
com suas lupas, a maneira como os brasileiros gastavam<br />
o dinheiro que nos forneciam.<br />
Em Brasília, os gringos eram recebidos por<br />
ministros e presi<strong>de</strong>ntes aflitos, que tudo lhes exi -<br />
biam e se mostravam ansiosos, tentando adivinhar<br />
o significado <strong>de</strong> suas expressões faciais ou gru -<br />
nhidos. Em 2002, empinamos o último papagaio<br />
no FMI. Sacamos US$ 30 bilhões, n<strong>um</strong><br />
tipo <strong>de</strong> acordo, com o aportuguesado (?) nome<br />
<strong>de</strong> stand-by, <strong>de</strong> 15 meses, com valida<strong>de</strong> até<br />
<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2003. Faz tanto tempo essa<br />
história que nem me lembrava <strong>de</strong> <strong>um</strong> importante<br />
<strong>de</strong>talhe: na renovação <strong>de</strong>sse acordo, foi<br />
dado ao país o direito <strong>de</strong> sacar mais US$14<br />
bi lhões. O Brasil recusou a oferta.<br />
As coisas estavam melhorando. Em 2005, o<br />
Brasil <strong>de</strong>cidiu não mais renovar o acordo e<br />
muita gente achou que se tratava apenas <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />
arroubo ufanista do presi<strong>de</strong>nte Lula. Finalmente,<br />
agora em 2009, o país emprestou<br />
US$10 bilhões ao mesmo FMI, que infernizou<br />
nossas vidas por quase <strong>um</strong> século. Sim, nós<br />
fazemos parte daquele círculo chique que empresta<br />
di nheiro para a impiedosa instituição financeira<br />
da minha juventu<strong>de</strong>. Já não<br />
pre cisamos mais do dinheiro do “seu” Ber -<br />
nardão para enfrentar nossas <strong>de</strong>spesas tri viais.<br />
Mais que isso, vamos contribuir para aliviar o<br />
<strong>de</strong>sespero <strong>de</strong> outros governos, que enfrentam<br />
os nossos tormentos do passado. Passam pela<br />
minha memória todos os fatos <strong>de</strong>sse finado<br />
2009. Acho que já vi tudo na vida. Nada mais<br />
me surpreen<strong>de</strong>rá. De qualquer forma, encerrada<br />
a passeata, tive a sorte <strong>de</strong> não acre di tar<br />
naquelas bobagens. Ainda bem.<br />
31