Itaú Cultural
Itaú Cultural
Itaú Cultural
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Conversa com Henri<br />
Lefebvre. Espaço e debates.<br />
São Paulo: USP/NERU, nº<br />
0, 987, p. 6 . (Publicada<br />
originalmente em 98 .)<br />
Idem.<br />
6 LEFEBVRE, Henri. O direito<br />
à cidade. São Paulo:<br />
Centauro, 00 , p.<br />
– edição original: 968.<br />
7 Lefebvre discorre sobre<br />
essa questão em Entrevista<br />
Conversa com Henri<br />
Lefebvre. Espaço e debates,<br />
op. cit., p. 6<br />
capa de uma das edições de<br />
O Direito à Cidade no Brasil<br />
imagem: Humberto Pimentel/<strong>Itaú</strong> <strong>Cultural</strong><br />
cidade, quando a construção da cidade-nova de Lacq-Mourenx,<br />
situada nos Pirineus Atlânticos, próxima à sua residência, exerceu<br />
impacto significativo em sua visão sobre as questões urbanas.<br />
Seus textos e sua atuação foram relevantes para a criação do Instituto<br />
de Sociologia Urbana, um dos primeiros centros permanentes de<br />
pesquisa urbana. Ele foi também um dos fundadores da revista<br />
Espace et Socíétés, em 970.<br />
O livro O Direito à Cidade 6 constitui um marco nos debates<br />
relacionados às questões urbanas de um modo geral e ao urbanismo,<br />
sendo acionado por estudiosos do espaço das cidades de distintos<br />
enfoques disciplinares, como sociólogos, geógrafos, arquitetos e<br />
urbanistas. O autor assinala que as questões e reflexões urbanísticas<br />
desprenderam-se dos ambientes dos especialistas e dos intelectuais,<br />
tornando-se domínio público, ao ser divulgadas em artigos de jornais<br />
e livros, com aspiração e alcance distintos. O seu objetivo, neste livro,<br />
também ultrapassa a preocupação com os debates acadêmicos.<br />
Ambiciona introduzir a problemática urbana na consciência e nas<br />
propostas de políticas públicas.<br />
Trata-se de um texto datado que, referido ao processo de urbanização,<br />
retoma aspectos da cidade oriental (relativa ao modo de produção<br />
asiático), da cidade arcaica grega e romana, da cidade medieval e<br />
da cidade capitalista, focalizando o capitalismo industrial. Centra a<br />
análise na urbanização ocidental e enfatiza a industrialização, que<br />
caracteriza a sociedade moderna. Assim, o estabelecimento da cidade<br />
capitalista, industrial, constitui aspecto crucial para desencadear<br />
sua reflexão sobre a cidade contemporânea, considerada em seus<br />
processos de adensamento, centralização e descentralização de<br />
funções, quando se verifica a criação dos subúrbios e as classes<br />
trabalhadoras, afastadas da cidade, acabam perdendo o sentido da<br />
obra, isto é, a consciência urbana.<br />
Embora não tenha analisado, neste livro, o movimento de descentralização<br />
que, mais recentemente, passa a ocorrer simultaneamente<br />
ao movimento de retorno aos centros, 7 a abordagem de Lefebvre<br />
transcende o período de sua publicação ao enfocar a problemática<br />
urbana em sua complexidade, evidenciando aspectos ainda presentes<br />
e pouco compreendidos, seja no âmbito acadêmico, seja nos projetos<br />
de política urbana de um modo geral.<br />
O ponto de inflexão que impulsiona a análise de Lefebvre, no processo<br />
de urbanização, é a passagem da cidade pré-industrial, produtora de<br />
obras e de relações sociais vinculadas a essas obras, para a cidade<br />
capitalista, produtora de mercadorias. Revela um paradoxo: a percepção<br />
de que “sociedades muito opressivas foram muito criadoras, ricas em<br />
obras”. Desse modo, no momento em que a exploração capitalista<br />
substitui a opressão, tende a desaparecer a capacidade de criação.<br />
Com base em tais argumentos, apresenta sua tese:<br />
a cidade e a realidade urbana dependem do valor de uso. O valor<br />
de troca e a generalização da mercadoria pela industrialização<br />
tendem a destruir, ao subordiná-las a si, a cidade e a realidade<br />
urbana, refúgios do valor de uso, embriões de uma virtual<br />
predominância e de uma revalorização do uso. 8<br />
Ao se referir à reflexão filosófica, menciona a visão de totalidade da<br />
filosofia clássica, de Platão, Aristóteles e Hegel, que pensam a cidade<br />
e a vida urbana. Desde seu surgimento, tendo por base social e<br />
fundamento teórico a cidade, a filosofia clássica procura explicitar<br />
a imagem da cidade ideal. Lefebvre expõe, ainda, o pensamento<br />
de diversos filósofos, evidencia a concepção marxista que critica<br />
essa idealização e preconiza a cidade histórica. Embora as obras de<br />
Marx contenham importantes anotações sobre a cidade e sobre as<br />
relações históricas entre cidade e campo, verifica-se nelas a ausência<br />
da problemática urbana, a não ser a questão da moradia. No entanto,<br />
o problema da cidade transcende amplamente a questão da moradia,<br />
observa o autor.<br />
No desenvolvimento do século XIX, enquanto a filosofia realiza um<br />
esforço para apreender o global, estabeleceram-se as ciências que<br />
fragmentam a realidade social para examiná-la e, ao final desse<br />
século, emerge o urbanismo como disciplina acadêmica. Lefebvre<br />
critica a prática urbanística e apresenta a visão de Le Corbusier 9 como<br />
uma ideologia que adota o funcionalismo e propõe um modelo de<br />
cidade segregacionista, em que as funções urbanas são reduzidas<br />
àquelas relativas à moradia, ao trabalho, à circulação e ao lazer.<br />
Segundo o autor, é fundamental a crítica rigorosa tanto das filosofias<br />
da cidade quanto do urbanismo ideológico, seja nas suas abordagens<br />
teóricas, seja nas práticas. Tal postura, entretanto, deve abarcar a<br />
realização de investigações longas e análises aprofundadas, que<br />
examinem cuidadosamente textos e contextos.<br />
A cidade se transforma no decorrer de sua história, de acordo com<br />
as relações sociais que nela se instalam, relações que se tornam mais<br />
complexas com a crescente divisão do trabalho, se multiplicam, se<br />
intensificam e se reconfiguram por meio de contradições. Verificase,<br />
então, o surgimento de uma contradição fundamental, a saber,<br />
a tendência para a destruição da cidade, para a intensificação do<br />
urbano e da problemática urbana. Interessa ressaltar a visão de<br />
que o duplo processo – industrialização e urbanização – segrega<br />
as funções urbanas, promove a alienação dos habitantes da cidade<br />
e a conseqüente perda da vida urbana. Essa perda compreende,<br />
entre outros aspectos, a perda da vida cultural que se desenvolve no<br />
urbano, e os habitantes das periferias sofrem essa perda pois passam<br />
a viver na cidade sem usufruir a sociedade urbana.<br />
Retomamos a tese de Lefebvre de que a cidade depende do valor<br />
de uso. Nesse enfoque, o autor põe em relevo a cidade como obra,<br />
desenvolvida no decorrer de uma história, construída por intermédio<br />
8 LEFEBVRE, Henri.<br />
O direito à cidade,<br />
op. cit., p. 6.<br />
9 Charles-Edouard<br />
Jeanneret, mais conhecido<br />
pelo pseudônimo de Le<br />
Corbusier, nasceu em 6<br />
de outubro de 887 em<br />
La Chaux-de-Fonds, Suíça.<br />
Considerado a figura mais<br />
importante da arquitetura<br />
moderna, morreu em<br />
7 de agosto de 96 ,<br />
afogado no Mediterrâneo<br />
[N. do E.].<br />
. 8 . 9