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Itaú Cultural

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DERRIDA, J. Adieu<br />

à Emmanuel Lévinas,<br />

op. cit., p. 7.<br />

DERRIDA, J. Adieu à<br />

Emmanuel Lévinas. Galilée,<br />

997, p. 88.<br />

Aqui, pensamos que uma pausa sobre a “previsibilidade” ou sobre<br />

a “programabilidade” de um sentido da hospitalidade faz-se<br />

necessária. Ao focalizar a imagem da “porta” no encadeamento de<br />

noções em Lévinas, que conduzem à idéia de acolhimento e em<br />

seguida àquela de hospitalidade, Derrida alerta sobre a importância,<br />

para um verdadeiro acolhimento, de condicionar uma porta aberta<br />

a uma tomada de decisão espontânea, que seria “tudo menos uma<br />

simples passividade, o contrário de uma abdicação da razão”.<br />

Fica claro o problema que essa compreensão coloca para a filosofia<br />

ética, já que não pode depreender “soluções”, regras ou planejamento,<br />

no que seria uma deontologia da hospitalidade! O “bastão” está<br />

claramente na mão de cada pessoa e não nas mãos de gestores de<br />

qualquer política, na qual a racionalidade técnica é o princípio básico,<br />

ainda que tão falido, como vários cientistas políticos atestam!!!<br />

É sobre essa alteridade originária que repousam os verdadeiros<br />

fatores em jogo na hospitalidade. Derrida sublinha que Lévinas fala<br />

de uma alteridade radical que supõe uma separação inicial e que<br />

ele renomeia a “metafísica” como ética ou filosofia primeira que<br />

acolhe a idéia de infinito (transcendente) no seio do finito (palpável,<br />

humano). Esse acolhimento que, rompendo com o entendimento<br />

tradicional da filosofia, acolhe a “finitude”, já em si uma hospitalidade<br />

filosófica. Esse deslocamento, dentre outras escolhas de noções,<br />

faz justamente que Lévinas seja um autor considerado complexo e<br />

de difícil “aplicabilidade”.<br />

A questão da imprevisibilidade da atitude hospitaleira poderia suscitar<br />

outra análise, na qual seria o caso de relacionar a hospitalidade com<br />

um caráter de “acontecimento”, no sentido de eventual, de coisa<br />

extraordinária, como a passagem de um meteoro, em outras palavras,<br />

não se prestando de forma nenhuma a fórmulas e cálculos prévios.<br />

Na via dessa imprevisibilidade, nós poderíamos entreabrir como<br />

uma nova pergunta, a questão de saber se a hospitalidade seria da<br />

ordem de um “acontecimento” (como o explicam Deleuze e Guattari,<br />

virtualidade, plano de imanência) e assim atributo em extinção!<br />

A dificuldade imposta pelo pensamento de Lévinas, repara<br />

ainda Derrida, é o limite sutil e mesmo ambivalente entre uma<br />

atitude de acolhimento totalmente espontânea e somente assim<br />

verdadeiramente oriunda de uma ética pessoal digna do nome<br />

hospitalidade e, de outro lado, um acolhimento resultante de um<br />

quadro jurídico impositivo.<br />

Um segundo tema que Lévinas relaciona à possibilidade da<br />

hospitalidade é a aproximação do rosto do outro; o rosto como sede<br />

do mistério do outro e como primeira instância da relação com o<br />

desconhecido. Então, primeira barreira e primeiro desvendamento.<br />

Tratar-se-á agora de um momento quase sagrado de aceitação do<br />

outro. Mais fundamentalmente – e aqui se trata de um eixo do<br />

caráter essencialmente ético do pensamento de Lévinas do qual<br />

não podemos nos afastar demais –, o rosto engendra a tendência<br />

ou não ao assassinato, ele suscita a opção ética entre fazer a<br />

guerra ou fazer a paz. E aqui reside a pertinência com as linhas<br />

mestras seguidas pela Unesco, que tem como meta prioritária<br />

a manutenção da paz. Mas se a Unesco confia às nações e aos<br />

governos o protagonismo nessa busca, Lévinas está se referindo<br />

a uma opção diária, uma conduta cotidiana individual, como o<br />

começo ou a raiz, daí sua essência radical. Não é apenas uma paz,<br />

suficiente e conveniente ao comércio internacional, como era<br />

a paz preconizada por Kant, e por isso ainda assunto de Estado;<br />

aqui falamos de lidar com o outro na “inteireza” de sua alteridade,<br />

de sua especificidade. Ora, o que é a diversidade cultural senão<br />

a existência de incontáveis alteridades, especificidades? Estamos<br />

mesmo muito perto das questões de fundo da Unesco, basta<br />

lembrar que o primeiro livro de Lévinas foi escrito em seu tempo<br />

enquanto prisioneiro judeu; a sombra do nazismo e a busca de<br />

compreender as causas do holocausto e o papel da filosofia nisso<br />

tudo moldaram as questões éticas por ele desenvolvidas.<br />

Derrida repara que Lévinas não pronuncia nunca por conta própria<br />

a palavra “cosmopolitismo”: a esta última ele prefere a palavra “paz”,<br />

da mesma maneira como na realidade ele lutava antes por uma<br />

universalidade do que pelo cosmopolitismo preconizado por Kant.<br />

Assim, mesmo que essa paz não seja nem puramente institucional<br />

nem puramente jurídico-política, para Lévinas o começo de tudo<br />

repousa no acolhimento do rosto do outro (pobre, estrangeiro ou os<br />

dois simultaneamente) na hospitalidade.<br />

Acreditamos que ele quer indicar que, na ética da hospitalidade,<br />

o aspecto do rosto do outro não influirá no seu acolhimento, ou<br />

seja, saímos do princípio fenomenológico em que a visão tem<br />

alguma primazia; em vez disso, é a relação pela palavra que<br />

deve ser eticamente acolhedora, prescindindo de referências às<br />

histórias pessoais passadas, ao “contexto”. É uma aceitação sem<br />

“currículo”, não é a hospitalidade turística negociada de antemão<br />

e com cartão de crédito... Em suma, é uma hospitalidade sem<br />

compromisso de contrapartida!<br />

Lévinas insiste em que, para ele, a idéia de infinito se centra não<br />

em torno de um mesmo, mas, sim, em torno de um desigual. Da<br />

mesma maneira, ele preconiza que um dever de hospitalidade não é<br />

somente essencial a um pensamento judaico, mas posiciona balizas<br />

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