Itaú Cultural
Itaú Cultural
Itaú Cultural
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
UMA CULTURA PARA UM<br />
MUNDO URBANIZADO<br />
Por Enrique Saravia<br />
1. O paradigma rural da cultura<br />
A visão ocidental da cultura foi sempre dúbia no que diz respeito à dinâmica vida urbanavida<br />
rural. Se por um lado era nas grandes cidades onde se processavam os grandes feitos<br />
culturais: Babilônia, Atenas, Roma, Florença, Paris... por outro, os valores do campo prevaleciam<br />
como ideal de uma vida equilibrada. O poeta espanhol Frei Luís de León ( 7- 9 ) iniciava<br />
sua famosa “Ode à Vida Retirada” com uma invocação que ficou clássica:<br />
¡Qué descansada vida<br />
la del que huye del mundanal ruido<br />
y sigue la escondida<br />
senda por donde han ido<br />
los pocos sabios que en el mundo han sido!<br />
Coordenador do Núcleo de Gestão <strong>Cultural</strong> e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de<br />
Empresas da Fundação Getulio Vargas (Ebape/FGV). Membro do Comitê Científico da Associação Internacional de<br />
Gestores da Cultura e das Artes (Aimac), Montreal-Paris, do International Journal of Arts Management (Montreal) e<br />
de Dice Dossier/ACRONIM Database (Londres). Ex- membro do Comitê Científico da Associação Internacional de<br />
Economia da Cultura. Consultor do <strong>Itaú</strong> <strong>Cultural</strong>.<br />
E louvava as benesses do campo:<br />
¡Oh monte, oh fuente, oh río,<br />
o secreto seguro y deleitoso!<br />
...<br />
El aire el huerto orea<br />
y ofrece mil olores al sentido;<br />
los árboles menea<br />
con un manso ruído (...)<br />
E conclui falando sobre a felicidade que a vida bucólica oferece:<br />
Y mientras miserablemente<br />
se están los otros abrasando<br />
con sed insaciable<br />
del peligroso mando,<br />
tendido yo a la sombra esté cantando.<br />
Ainda hoje a invocação campestre aparece como convite para<br />
retornar ao paraíso perdido.<br />
Cidade, mesmo que meta desejada por estudiosos e artistas, era<br />
sinônimo de perdição. O leitor avisado se lembrará, seguramente,<br />
de muitos romances clássicos em que o herói e mais ainda a heroína<br />
sofreram dolorosas privações e sofrimentos quando migraram do<br />
campo para a cidade. E quantos se perderam nas ruas das sodomas<br />
ou babilônias diversas...<br />
Penso que ainda hoje o imaginário cultural está impregnado de<br />
valores rurais. Vide as festas juninas – talvez a mais tradicional e<br />
estendida festa brasileira – para constatar a presença da roça e<br />
o desejo de perpetuá-la em seus bailes, folguedos e cantos, e<br />
em suas comidas e bebidas. Ele se lembrará também da música<br />
popular e dos temas campestres sempre presentes na música<br />
sertaneja, nos cantares gaúchos (Menino da porteira...), nas<br />
canções infantis.<br />
Pareceria que o sistema de valores familiares e comunitários se<br />
construía na quietude das casas de fazenda, na roça e nas pequenas<br />
comunidades vinculadas à produção agropecuária.<br />
Tudo isso faz sentido se pensarmos que a população do mundo era<br />
predominantemente agrária. Em 800 só % da população mundial<br />
morava nas cidades.<br />
imagem: arquivo pessoal Cristina Lins<br />
.68<br />
.69