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Itaú Cultural

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Como analisa DERRIDA,<br />

J. Adieu à Emmanuel Lévinas.<br />

Paris: Galilée, 997.<br />

LEVINAS, E. Totalité et<br />

Infini – essai sur l’extériorité.<br />

Paris: Le Livre de Poche,<br />

00 , p. .<br />

6 LEVINAS, E. Totalité<br />

et Infini – essai sur<br />

l’extériorité. Paris: Le Livre<br />

de Poche, 00 , p. 76.<br />

7 Idem, p. .<br />

Lévinas – introduzindo o respeito à alteridade<br />

De Emmanuel Lévinas, nós partimos de um conjunto de noções que<br />

conduz a valorizar e a conferir toda uma significação especial à idéia<br />

de hospitalidade ao precisá-la enquanto acolhimento de um outro<br />

completamente diferente, denominado “Outrem”. É no livro Totalidade<br />

e Infinito que se desenvolve a trama entre os temas do acolhimento,<br />

do estrangeiro, do rosto e, enfim, da hospitalidade mesma, pois, ainda<br />

que o vocábulo não seja ali nem freqüente nem sublinhado, esse livro<br />

original de 96 lega um imenso tratado de hospitalidade.<br />

No seu prefácio a Totalidade e Infinito, Lévinas diz que o livro se<br />

apresenta como uma “defesa da subjetividade [...] fundada na idéia<br />

de infinito”. Prosseguindo, o autor acrescenta que ao longo da obra<br />

será questão de distinguir “entre a idéia de totalidade e a idéia de<br />

infinito”. E, ao afirmar a primazia filosófica da idéia de infinito, ele vai<br />

relatar de que modo “o infinito se produz na relação do Mesmo com<br />

o Outro e como, intransponível, o particular e o pessoal magnetizam<br />

de algum modo o próprio campo onde esta produção do infinito<br />

se efetua”.<br />

Vejamos então um parágrafo muito significativo onde são<br />

introduzidas algumas palavras-chave:<br />

Colocar o transcendente como estrangeiro e pobre é proibir a relação<br />

metafísica com Deus de realizar-se na ignorância dos homens e das<br />

coisas. A dimensão do divino abre-se a partir do rosto humano. Uma<br />

relação com o Transcendente – contudo livre de qualquer influência do<br />

Transcendente – é uma relação social. 6<br />

Podemos transpor a incitação para o contexto de afirmação da<br />

diversidade cultural dos nossos dias, que não depende só de<br />

organismos e instituições nacionais e internacionais. É necessária<br />

uma abertura pessoal profunda em direção a um outro, diverso,<br />

representante de uma alteridade absoluta. Abertura que inclui<br />

a proximidade física e corporal e que tem no rosto a instância<br />

“fundadora” como um expediente insubstituível para “transcender”.<br />

Em outras palavras, ele nos indica a importância de ir ao empírico<br />

para aceder à filosofia, e ele reinaugura, sem deixar de invertê-lo, o<br />

lugar daqueles que não tinham direito à cidade na tradição platônica.<br />

Para nós, agora, o desafio é entender mais abrangentemente o<br />

clássico “estrangeiro”, atualizando-o no migrante, no imigrante,<br />

pobre e em todos cuja subjetividade diverge da nossa do “mesmo”.<br />

“Pensar o infinito, o transcendente, o Estrangeiro, não é, pois, pensar<br />

um objeto. Mas pensar aquilo que não tem os contornos de objeto<br />

é na realidade fazer mais, ou melhor, do que pensar”. 7<br />

Recorremos a Jacques Derrida 8 nas suas análises dos textos<br />

levinassianos – complexos, não raro herméticos – para insistir sobre<br />

a coerência e a força próprias do pensamento do autor naquilo<br />

que concerne a uma construção passo a passo da importância da<br />

hospitalidade, palavra escolhida por Derrida para titular sua própria<br />

homenagem a Lévinas.<br />

O ponto de vista que associa prematuramente a vontade de<br />

hospitalidade à posse concreta de uma moradia, interpretação<br />

demasiadamente imediata, é equivocada e não corresponde ao<br />

pensamento de Lévinas. Com efeito, segundo ele, a hospitalidade<br />

precede qualquer propriedade.<br />

René Schérer (França, 9 ), 9 outro filósofo, investiga a essência<br />

filosófica da hospitalidade em uma passagem sintomaticamente<br />

nomeada “entre a residência e a tenda”. Recorre primeiro a<br />

Heidegger que, a partir de um poema de Hölderlin, liga a<br />

hospitalidade à possessão se não de uma residência, pelo<br />

menos de uma terra. Schérer observa que esta ligação entre o<br />

cultivo da terra e certo sentido de possibilidade sine qua non da<br />

fixação do homem sobre a terra e, daí mesmo, um sentido de<br />

hospitalidade, é característico de poetas da época de Virgílio<br />

e de Hesíodo. No entanto, o autor não se satisfaz com essa<br />

limitação e explora outro caminho que, diferentemente, vai<br />

vincular a hospitalidade a um desenraizamento, e aos povos<br />

nômades. Ele volta ao poema e aí capta outras chaves de<br />

interpretação: “Da exploração agrícola souabe 0 aos horizontes<br />

limitados, o rio faz passar ao ilimitado das estepes, ao deserto.<br />

Ele põe a imaginação na presença do vazio, de um infinito de<br />

espaço. Da seara onde o nômade pastor e não o lavrador pratica<br />

a hospitalidade por essência.”<br />

Em seguida, ele retoma um hino à hospitalidade feito por Edmond<br />

Jabès, que pauta sobre um personagem beduíno que acolhe<br />

extraviados do deserto não simplesmente numa atitude de dever<br />

e responsabilidade, mas numa atitude mais imponderável.<br />

Schérer pergunta se a hospitalidade, finalmente, não seria “uma<br />

sensibilidade específica ao outro”.<br />

Esboçada nesses termos, é um atributo de gratuidade que aí se<br />

depreende, o indivíduo despossuído, pobre, é teoricamente tão<br />

emissor de hospitalidade quanto um rico proprietário. Um largo arco<br />

de posturas individuais abre-se então para mostrar justamente que<br />

é antes daquele despossuído de riqueza material que pode emergir<br />

essa hospitalidade especial.<br />

8 Jacques Derrida (El<br />

Biar, Argélia, 9 0<br />

– Paris, 00 ).<br />

9 SCHERER, René. Zeus<br />

Hospitalier. Éloge de<br />

l’hospitalité. Éditions de<br />

la Table Ronde, 00 .<br />

0 A palavra souabe<br />

em francês indica<br />

uma região histórica<br />

no sul da Alemanha<br />

e o dialeto ali falado.<br />

SCHERER, R., op.<br />

cit., p. 8.<br />

Edmond Jabès nasceu<br />

no Cairo, em 9 , e<br />

morreu em Paris, em<br />

99 . Escritor e poeta,<br />

foi uma das figuras<br />

mais conhecidas do<br />

mundo literário francês<br />

da segunda metade do<br />

século XX.<br />

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