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Itaú Cultural

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Ver Internacional<br />

Situacionista, JACQUES,<br />

Paola Berenstein (org.).<br />

Apologia da deriva, escritos<br />

situacionistas sobre a<br />

cidade. Rio de Janeiro: Casa<br />

da Palavra, 00 .<br />

museificação urbana em escala global: e assim os turistas acabam<br />

visitando as cidades ditas históricas ou culturais do mundo todo<br />

como se visitassem um gigantesco e único museu. As intervenções<br />

contemporâneas sobre os territórios históricos ou culturais<br />

obedecem a um ritmo de produção de exibicionismo cultural<br />

promovido pelas cidades, o que cria uma superabundância mundial<br />

de cenários e simulacros para turistas (a exemplo de Las Vegas ou,<br />

hoje, Dubai). O turista padrão, diferentemente do habitante ou<br />

usuário local, muito raramente se apropria efetivamente do espaço<br />

urbano; ele simplesmente passa e fotografa.<br />

Nos centros das cidades, as memórias das culturas locais – que<br />

a princípio deveriam ser preservadas pelos projetos ditos de<br />

revitalização – se perdem, pois, na maior parte das vezes, a própria<br />

população local é expulsa do lugar da intervenção pelo já citado<br />

processo de gentrificação e, em seu lugar, são criados grandes<br />

cenários (como ocorreu com o Pelourinho em Salvador). Nas<br />

periferias ricas, nas novas “Alphavilles”, isso nem chega a ocorrer,<br />

uma vez que essas áreas já são projetadas dentro de uma idéia de<br />

segregação espaço-social bem clara e ainda oferecem um nível<br />

de vigilância total, também dentro de um padrão internacional de<br />

segurança e da dita “sustentabilidade”, que serve como justificativa<br />

para um amplo processo de privatização de espaços públicos e<br />

áreas verdes, o que vem ocorrendo de forma sistemática na maioria<br />

das áreas de expansão das cidades contemporâneas.<br />

As idéias situacionistas sobre a cidade dos anos 9 0 e 960,<br />

por exemplo, principalmente aquelas contra a transformação dos<br />

espaços urbanos em cenários para espetáculos turísticos, levam<br />

a uma hipótese clara: a existência de uma relação inversamente<br />

proporcional entre espetáculo e participação. Essa participação<br />

está diretamente relacionada à questão da experiência e<br />

também do cotidiano. Além dos situacionistas, poderíamos<br />

citar aqui diversos autores que trataram dessa questão, como<br />

Walter Benjamin, Giorgio Agamben, Henri Lefebvre e Michel de<br />

Certeau. Quais seriam então algumas alternativas ou desvios<br />

possíveis ao espetáculo urbano? Todas as pistas levam à questão<br />

da experiência ou prática dos espaços urbanos. Essas alternativas<br />

passariam necessariamente pela própria experiência corporal da<br />

cidade. A redução da ação urbana, ou seja, o empobrecimento<br />

da experiência urbana pelo espetáculo, leva a uma perda da<br />

corporeidade, os espaços urbanos se tornam simples cenários,<br />

sem corpo, espaços desencarnados. Os novos espaços públicos<br />

contemporâneos, cada vez mais privatizados ou não apropriados,<br />

nos levam a repensar as relações entre urbanismo e corpo, entre<br />

o corpo urbano e o corpo do cidadão. A cidade não só deixa<br />

de ser cenário, mas, mais do que isso, ela ganha corpo a partir<br />

do momento em que é apropriada, vivenciada, praticada; ela se<br />

torna “outro” corpo.<br />

Acredito que seja dessa relação entre o corpo do cidadão e esse<br />

“outro corpo urbano” que pode surgir outra forma de apreensão<br />

urbana e, conseqüentemente, de reflexão e de intervenção na cidade<br />

contemporânea. Parto da premissa de que o estudo das relações<br />

entre corpo – corpo ordinário, vivido, cotidiano, ou seja, o corpo<br />

enquanto possibilidade de microrresistência à espetacularização,<br />

o oposto do corpo mercadoria, imagem ou simulacro, produto da<br />

própria espetacularização contemporânea – e cidade pode nos<br />

mostrar alguns caminhos alternativos, desvios a esse processo<br />

sofrido pelas cidades contemporâneas.<br />

Experiência corporal das cidades ou corpografias urbanas<br />

As relações entre o corpo humano e o espaço urbano ainda têm sido<br />

bastante negligenciadas nos estudos urbanos e, principalmente,<br />

nos estudos culturais sobre as cidades. Parto da premissa de que os<br />

estudos do corpo influenciaram os estudos urbanos e que corpo e<br />

cidade se configuram mutuamente, ou seja, que, além de os corpos<br />

ficarem inscritos e contribuírem para a formulação do traçado<br />

de cidades, as memórias das cidades também ficam inscritas e<br />

contribuem para a configuração de nossos corpos.<br />

A cidade é percebida pelo corpo como conjunto de condições<br />

interativas e o corpo expressa a síntese dessa interação descrevendo em<br />

sua corporalidade o que passamos a chamar de corpografia urbana. 6<br />

A corpografia seria uma cartografia corporal, ou seja, ela parte da<br />

hipótese de que a experiência urbana fica inscrita, em diversas escalas<br />

de temporalidade, no próprio corpo daquele que a experimenta, e<br />

dessa forma também o define, mesmo que involuntariamente.<br />

É importante diferenciar cartografia, coreografia e corpografia. A<br />

começar pela diferenciação de cartografia do projeto urbano e, a<br />

partir daí, a corpografia tanto da cartografia quanto da coreografia.<br />

Uma cartografia já é um tipo de atualização do projeto urbano, ou<br />

seja, uma cartografia urbana descreve um mapa da cidade construída<br />

e assim muitas vezes já apropriada e modificada por seus usuários.<br />

Uma coreografia pode ser vista como um projeto de movimentação<br />

corporal, ou seja, um projeto para o corpo (ou conjunto de corpos)<br />

realizar, o que implica, como no projeto urbano, em desenho<br />

(ou notação), em composição (ou roteiro) etc. No momento da<br />

realização de uma coreografia, da mesma forma como ocorre com<br />

a apropriação do espaço urbano que difere do que foi projetado, os<br />

corpos dos bailarinos também atualizam o projeto, ou seja, realizam<br />

6 A primeira versão do<br />

texto Corpografias<br />

Urbanas – com ênfase<br />

na idéia do corpo como<br />

resistência – foi publicada<br />

no Cadernos do PPG-AU<br />

especial Resistências em<br />

Espaços Opacos, Salvador,<br />

007. Um desenvolvimento<br />

dessas idéias – com ênfase<br />

na idéia do corpo como<br />

fenótipo estendido – em<br />

co-autoria com Fabiana<br />

Britto (Programa de Pós-<br />

Graduação em Dança<br />

da UFBA) foi publicado<br />

no Cadernos do PPG-AU<br />

especial Paisagens do<br />

Corpo, Salvador, 008.<br />

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