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Itaú Cultural

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O ABISMO DA HOSPITALIDADE<br />

CONTEMPORÂNEA: CIDADES<br />

E MIGRAÇÕES<br />

Márcia de N. S. Ferran<br />

O tema da hospitalidade, acionando tanto a figura do “estrangeiro” da filosofia platônica quanto<br />

o Antigo Testamento, se coloca na contemporaneidade como uma noção-limite, uma noção<br />

em abismo.<br />

Desde a Grécia, o ir-e-vir entre várias urbes se tornou objeto de regulamentação específica dos<br />

Estados, mas em vez de focar o lado político-institucional queremos aqui chamar a atenção para<br />

o lado ético-individual da hospitalidade, passando por alguns de seus elementos desafiantes,<br />

tais como cidadania e migrações na cidade contemporânea, sob o impacto de fenômenos<br />

incrementados desde as três últimas décadas do século XX. Cremos ser urgente ressaltá-la<br />

enquanto atributo de pessoas, em vez de atributo de espaços, acreditando que é nessa esfera,<br />

tão relegada, que se dá a compreensão da micropolítica, em que hoje repousam as verdadeiras<br />

dinâmicas antropológicas da diversidade cultural enquanto potência, processo instituinte!<br />

Márcia de Noronha Santos Ferran possui graduação em Arquitetura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro,<br />

mestrado em urbanismo pelo Programa de Pós-Graduação em Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro<br />

(Prourb/UFRJ), Doutorado co-tutela em arquitetura e urbanismo pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e em<br />

filosofia pela Université Paris (Panthéon-Sorbonne).<br />

A cidadania é uma noção estreitamente ligada ao local de<br />

pertencimento, mais especificamente ao local de nascimento. Essa<br />

vinculação de orientação européia, determinante e estruturante ao<br />

longo do século XX, vem exigindo novos debates a partir da década<br />

de 970. Se cultura e espaço atuam indissociavelmente, propostas<br />

como a da Declaração Universal da Unesco da Diversidade <strong>Cultural</strong><br />

esbarram na dificuldade de transpor uma lógica herdada da<br />

Convenção dos Direitos Humanos, cujas premissas foram colocadas<br />

no contexto histórico dos Estados-nação, em cujo âmbito os direitos<br />

individuais tinham primazia. Direitos individuais estavam, por sua<br />

vez, amparados na noção de cidadania, noção permeada pelo ideal<br />

da pólis, que se exerce no solo de seu nascimento.<br />

Ora, realidades de fluxos de pessoas no mercado globalizado<br />

contemporâneo flagram os limites da tentativa de “decalcar”<br />

para os dias de hoje o antigo modelo de cidadania, baseado na<br />

fixidez das pessoas como regra, e na mobilidade como exceção.<br />

Ademais, o ideal da pólis se dava num espaço onde reinava certa<br />

homogeneidade lingüística! A ágora contemporânea não é mais<br />

uma centralidade, ela está pulverizada em várias partes. Tomar a<br />

palavra, no sentido daquilo que era possibilitado na pólis grega,<br />

implica agora estar em vários lugares e dominar os códigos de<br />

várias línguas!!!<br />

Como conviver nas atuais cidades com a miríade cultural<br />

se recompondo continuamente através do afluxo de novos<br />

trabalhadores, agora num espaço de mercado tido como global?<br />

Mas que cidade é essa que se renova constantemente e é reinstituída<br />

pela presença de migrantes? Como o indivíduo lida com a<br />

proximidade da diversidade em sua cidade?<br />

Parece que caberia acionar mais a idéia de Babilônia do que a de pólis!<br />

Para além dos desdobramentos institucionais e dos regulamentos<br />

nacionais e internacionais evidenciados pelas imigrações há algo<br />

peculiar operando no cotidiano mesmo das pessoas; afinal, é em<br />

cada indivíduo que repousa o potencial de diálogo com o próximo.<br />

Todo um arco de posturas pessoais se revela. Não se trata aí do<br />

aparato físico de que uma cidade pode dispor para receber as levas<br />

de turistas mundializados, cada vez mais objetos de complexas<br />

táticas de marketing urbano.<br />

Trata-se antes de um nível de relação que depende do um-a-um,<br />

de um sentido ético de hospitalidade radical, um leque de posturas<br />

pessoais no seio da dinâmica social. Essa é a hospitalidade tal como<br />

entendida pelo filósofo Emmanuel Lévinas ( 906- 99 ).<br />

. 8<br />

. 9<br />

.<br />

imagem: Christina Rufatto/itaú <strong>Cultural</strong><br />

Sobre o tema, ver Revista<br />

Observatório <strong>Itaú</strong> <strong>Cultural</strong><br />

número : Convenção<br />

sobre a proteção e a<br />

promoção da diversidade<br />

das expressões culturais.<br />

Emmanuel Lévinas<br />

nasceu em Kaunas, na<br />

Lituânia, e naturalizou-se<br />

francês em 9 0. Fez da<br />

responsabilidade ética<br />

pelo Outro a base de suas<br />

análises filosóficas. Totalidade<br />

e Infinito, considerada sua<br />

primeira grande obra, foi<br />

lançado em 96

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