a morte e as mortes na obra de juan rulfo - Universidade Federal de ...
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da consciência e também do seu <strong>as</strong>pecto sócio-estrutural, no intuito <strong>de</strong> impedir que ela<br />
continue sendo um problema que tem que ser sofrido e superado <strong>de</strong>ntro da comunida<strong>de</strong>.<br />
O homem tem pretensão <strong>de</strong> reduzir tal fenômeno a incumbênci<strong>as</strong> técnic<strong>as</strong>, com<br />
tratamento meramente técnico. Essa forma <strong>de</strong> encarar a <strong>morte</strong> tenta abolir a consciência e a<br />
reflexão, evitando, <strong>de</strong>ste modo, o impacto da irrupção da <strong>morte</strong>. A <strong>morte</strong> é silenciada.<br />
Familiares e médicos evitam falar ao paciente da possibilida<strong>de</strong> da <strong>morte</strong> próxima. Muit<strong>as</strong><br />
vezes, ela é afogada <strong>na</strong> inconsciência química dos medicamentos. Assim vista, a <strong>morte</strong> per<strong>de</strong><br />
sua <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong>. É posta à margem, entrando vitoriosa somente n<strong>as</strong> estatístic<strong>as</strong> dos gran<strong>de</strong>s<br />
aci<strong>de</strong>ntes, guerr<strong>as</strong> ou catástrofes <strong>na</strong>turais. Apesar do banimento social do convívio com a<br />
<strong>morte</strong>, <strong>de</strong> o homem mo<strong>de</strong>rno querer expulsá-la para sempre, apesar <strong>de</strong> parecer não ter lugar, a<br />
<strong>morte</strong> está projetada em cada um. Conforme Bataille (1992), “a vida vai se per<strong>de</strong>r <strong>na</strong> <strong>morte</strong>,<br />
os rios no mar e o conhecido no <strong>de</strong>sconhecido” 20 . Apesar <strong>de</strong> isso tudo, o ser humano tem<br />
“mais <strong>morte</strong>”, porque também tem “mais vida” pela consciência <strong>de</strong> sua finitu<strong>de</strong>. E é estreita a<br />
<strong>as</strong>sociação entre consciência e vida huma<strong>na</strong>. Apesar <strong>de</strong> não se ter uma clara noção do vínculo<br />
entre consciência e vida, é claro que a consciência está <strong>de</strong> fato ligada ao conceito <strong>de</strong> <strong>morte</strong>.<br />
Para muitos a <strong>morte</strong> só é fato quando a consciência se apaga. Pérez Tamayo (2004) escreve:<br />
“La noción <strong>as</strong>umida <strong>de</strong> la muerte hace vivir vid<strong>as</strong> mejores, pues, como lo recrea Borges en El<br />
Inmortal, u<strong>na</strong> permanencia en este mundo significaría impunidad y pérdida completa <strong>de</strong><br />
sentido 21 ”.<br />
Por outro lado, a consciência da <strong>morte</strong> nos empurra <strong>de</strong> algum modo para o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong><br />
eternida<strong>de</strong>. Desejo que foi aumentando à medida que o ser humano foi <strong>de</strong>scobrindo o valor da<br />
vida. Igualmente se sabe que, ao n<strong>as</strong>cermos, entramos em uma história feita pelos que<br />
n<strong>as</strong>ceram antes. Devemos continuar essa história que nos vai abrindo para a vida e nela nos<br />
vai inserindo, <strong>na</strong> medida em que nos comprometemos com ela.<br />
Para os homens, no início da civilização, a vida era parte <strong>na</strong>tural. Estranha era a <strong>morte</strong>.<br />
O que pensar da <strong>morte</strong>? É ela simplesmente a ausência da vida? Se já se pensou nela como<br />
um fenômeno monstruoso, hoje é possível perceber o contrário. Da mesma forma, a vida é um<br />
fenômeno qu<strong>as</strong>e inexplicável, é um equilíbrio físico-químico entre sistem<strong>as</strong> macromoleculares.<br />
E esse frágil equilíbrio, normalmente, está <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>do a <strong>de</strong>saparecer, <strong>de</strong> acordo<br />
com <strong>as</strong> leis da termodinâmica. E por <strong>as</strong>sim ser, a tendência <strong>na</strong>tural é a <strong>morte</strong>. Desse modo, a<br />
vida se mantém sempre em estado precário.<br />
20 BATAILLE, G. A experiência interior. Trad. Celso L. Coutinho et al. São Paulo: Ática, 1992 p.41<br />
21 TAMAYO, Pérez Ruy (coord.). La muerte. México: El Colegio Nacio<strong>na</strong>l, 2004, p. 281. “A noção <strong>as</strong>sumida<br />
da <strong>morte</strong> faz viver vid<strong>as</strong> melhores, pois, como o recria Borges em El inmortal, uma permanência neste mundo<br />
significaria impunida<strong>de</strong> e perda completa <strong>de</strong> sentido”.<br />
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