a morte e as mortes na obra de juan rulfo - Universidade Federal de ...
a morte e as mortes na obra de juan rulfo - Universidade Federal de ...
a morte e as mortes na obra de juan rulfo - Universidade Federal de ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
“El otro” – diz o <strong>na</strong>rrador –“iba allá arriba, todo ilumi<strong>na</strong>do por la lu<strong>na</strong>, con su cara<br />
<strong>de</strong>scolorada, sin sangre, reflejando u<strong>na</strong> luz opaca 99 ”. Ali a lua esbanjava vida, contr<strong>as</strong>tando<br />
com a fragilida<strong>de</strong> do pai e do filho. Mostra-se n<strong>as</strong> cores azul e avermelhada, contrári<strong>as</strong> às do<br />
rosto pálido do filho moribundo.<br />
A presente tría<strong>de</strong> familiar sugere que a salvação para os filhos arrancados do chão<br />
encontra-se no seu reencontro: esperança <strong>de</strong> um sonho possível.<br />
Para o ensaista, José <strong>de</strong> la Coli<strong>na</strong>, “la madre y la muerte son dos obsesiones centrales<br />
<strong>de</strong>l mexicano 100 ”. A lua aparece <strong>na</strong> literatura como presença femini<strong>na</strong>, mulher amada,<br />
inspiração poética. É o alívio <strong>na</strong> noite - dissipadora da escuridão no percurso do pai. No<br />
conto, sua presença <strong>as</strong>segura, momentaneamente, o esquecimento do cansaço. Enquanto a<br />
contempla, o pai por instantes se alivia do peso do filho sobre seus <strong>de</strong>bilitados ombros.<br />
Afirma Octavio Paz que “u<strong>na</strong> civilización que niega a la muerte, acaba por negar a la<br />
vida 101 . Paz afirma ainda que se não nos importa a <strong>morte</strong>, também a vida não nos interessa.<br />
Assim parece ter-se comportado o pai <strong>de</strong> Ignácio, uma vez que, tirado o filho dos ombros,<br />
nem se dá conta do porquê <strong>de</strong> este não estar ouvindo o latir dos cães. O pai continua<br />
insultando-o. Ignora a <strong>morte</strong> presente. E <strong>as</strong>sim, ensimesmado no seu rancor para com o filho,<br />
continuou remoendo o velho ódio. Enclausurou-se <strong>na</strong> impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> amar. Deixou-se<br />
<strong>de</strong>bater <strong>na</strong> constante atração <strong>de</strong> sua cegueira. Abateu-se e, <strong>as</strong>sim, não pô<strong>de</strong> olhar <strong>de</strong> frente a<br />
luz da lua. Não viu que ela permanecia ali - como se fosse uma lanter<strong>na</strong> pendurada no céu.<br />
Visibilida<strong>de</strong> tosca também é caracerística <strong>de</strong> outr<strong>as</strong> perso<strong>na</strong>gens rulfian<strong>as</strong>. A presença<br />
da lua-ilumi<strong>na</strong>da é constante, clareando o caminho. Tor<strong>na</strong>ndo-o mais seguro para o<br />
caminhante.<br />
Conforme Báez (1994), roto o mo<strong>de</strong>lo patriarcal, vai-se <strong>de</strong>slocando a função<br />
mediadora da mãe – que até então ocupara o centro do mo<strong>de</strong>lo. É a manifestação <strong>de</strong> um<br />
tempo propício para <strong>as</strong> transformações e à regeneração individual e coletiva. Para essa crítica,<br />
99<br />
I<strong>de</strong>m. P. 75. “O outro ia lá em cima, todo ilumi<strong>na</strong>do pela lua, com o rosto pálido, sem sangue, refletindo uma<br />
luz opaca”.<br />
100<br />
CARRIZALES, M. Leo<strong>na</strong>rdo. Juan Rulfo, los caminos <strong>de</strong> la fama pública. México, D. F.: F. C. E, 1998<br />
I<strong>de</strong>m, p. 137. “(...) a mãe e a <strong>morte</strong> são du<strong>as</strong> obsessões centrais do mexicano”. Segundo Otavio Paz em El<br />
labirinto <strong>de</strong> la Soledad (1998), p. 63, 92 e 93. Enquanto outros povos nem sequer querem pronunciar a palavra<br />
<strong>morte</strong> “el mexicano, en cambio, la freqüenta, la burla, la acaricia, duerme com ella, la festeja, es uno <strong>de</strong> sus<br />
juguetes favoritos y su amor más permanente (...) la indiferencia <strong>de</strong>l mexicano ante la muerte se nutre <strong>de</strong> sua<br />
indiferencia ante la vida (...) vida e <strong>morte</strong> son inseparables y cada vez que la primera pier<strong>de</strong> significación, la<br />
segunda se vuelve intranscen<strong>de</strong>nte. O mexicano ignora tanto a vida quanto a <strong>morte</strong>. Afirma também Paz que o<br />
catolicismo mexicano se concentra no culto à virgem <strong>de</strong> Guadalupe on<strong>de</strong> foi construído um santuário, no lugar<br />
do santuário <strong>de</strong> To<strong>na</strong>tzin ‘nossa mãe’, <strong>de</strong>usa da fertilida<strong>de</strong> entre os <strong>as</strong>tec<strong>as</strong>, os conquistadores apresentaram a<br />
virgem Maria como a mãe protetora, <strong>na</strong>da melhor do que ter uma mãe que os protegesse <strong>na</strong> época d<strong>as</strong> violênci<strong>as</strong>,<br />
oc<strong>as</strong>io<strong>na</strong>d<strong>as</strong> pela inv<strong>as</strong>ão espanhola. Até hoje muitos peregrinos índios a chamam <strong>de</strong> (Guadalupe-To<strong>na</strong>tzin).<br />
101<br />
PAZ, Octavio. El laberinto <strong>de</strong> la soledad. 2ª ed. México, D. F: FCE, 1998, p. 65. “Uma civilização que nega<br />
a <strong>morte</strong> acaba por negar também a vida”.<br />
52